Com o risco de parecer óbvio, é preciso chamar as coisas pelo nome: o Brasil sofreu uma tentativa de golpe de Estado no último 8 de janeiro. A afirmativa é conceitualmente correta, porque alguns milhares de pessoas invadiram, ocuparam e depredaram as sedes dos Três Poderes com o objetivo, nítido e declarado, de impedi-los de funcionar e, com isso, depor o governo eleito.

Os agentes que participaram ou concorreram para as condutas são golpistas e, portanto, criminosos que devem ser responsabilizados de acordo com a lei penal vigente. Ainda bem que sequer precisamos flertar com a perigosa “Lei Antiterrorismo”, pois a democracia brasileira está guarnecida com um arcabouço jurídico de proteção desde que o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.197/2021, que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional e inseriu o “Título XII – Dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito” no Código Penal.

O texto descreve com precisão as condutas antijurídicas praticadas no fatídico domingo em seus artigos 359-L (Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (Golpe de Estado), a ver:

Art.359-L: “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.

Pena: Reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência”.

Art.359-M: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Pena: Reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência”.

Aos ataques golpistas, soma-se um rosário de outros crimes e qualificadoras, certamente agravando a situação jurídica e aumentando a pena de inúmeros criminosos. Não à toa – e provavelmente orientados por advogados –, alguns líderes da extrema-direita, inclusive congressistas, apressaram-se em caracterizar os eventos como “manifestações que saíram do controle” e até mesmo usando adjetivos desairosos, como “cenas lamentáveis” e “vandalismo”.

O objetivo é criar uma rota de fuga baseada na narrativa de que foram meros “atos políticos” e não golpismo. Afinal, nós, da esquerda, escaldados pela perseguição das ditaduras brasileiras, cuidamos para deixar expresso na mesma Lei 14.197/2021 que não constitui crime a crítica aos Poderes ou a reivindicação de direitos e garantias por qualquer forma de “manifestação política com propósitos sociais” (Art. 359-T).

É inadmissível cair nessa esparrela! Não há absolutamente nada que faça do putsh bolsonarista uma “manifestação política com propósitos sociais”. Quais seriam? Não há legitimidade na tentativa de submissão, pela força, da maioria pela minoria. Importa aqui o animus do agente: não se reivindicava nada, a não ser uma pretensa liberdade de assaltar o poder. Como disse o presidente Lula: “O que eles querem é golpe; e golpe não vai ter!”

O inspirador da tentativa de assalto ao poder tem nome e sobrenome, todos sabemos: Jair Bolsonaro. Pouco importa se ele participou ou não do ato ou se manteve relativo silêncio público no último período.

Há todo um contexto fático nesse odioso crime. O ex-presidente passou longos 4 anos insuflando seus apoiadores radicais ao ataque às instituições, incitou as Forças Armadas contra os Poderes constitucionais, deslegitimou o processo e o resultado das eleições e, mesmo após o atentado golpista, voltou a divulgar mentiras conspiratórias sobre o TSE e a vontade popular expressa nas urnas.

Além disso, resta provado, pela apreensão de uma minuta de decreto, que nos estertores de seu governo, Bolsonaro e assessores desenharam um plano caviloso para intervir na Justiça Eleitoral, reverter a derrota no voto e perpetuar seu projeto de poder pelo golpe. Não teve êxito, mas isso, por si, não exclui sua culpabilidade.

A realidade é que, fustigadas por todos os lados, as instituições da República foram resilientes e impediram o golpe. Entrará para a História a reunião dos presidentes dos Três Poderes e dos 27 governadores, que, de mãos dadas, subiram a rampa do Planalto, mostrando a unidade do país em defesa da Constituição e da legalidade.

Essa autoridade traz consigo a responsabilidade de agir com rigor contra os golpistas, sem deixar de observar nenhuma das garantias fundamentais destes, como o devido processo legal e a ampla defesa dos acusados, porque a devoção que temos à Constituição impõe que respeitemos os direitos até de quem a desrespeita.

*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP. Artigo publicado originalmente no site Poder360.