A pretexto de modernização da máquina estatal, o servidor público tem sido alvo de sucessivas campanhas de desvalorização profissional. O governo Bolsonaro retoma a narrativa de que o Estado tem que prestar um serviço público compatível com a realidade econômica do País, para ampliar o ataque a direitos do funcionalismo e propor uma reforma administrativa que visa o desmonte do atendimento à população.

O conteúdo da reforma que o governo federal anunciou nesta quinta-feira (3) prevê, entre outros pontos, o fim da estabilidade para a maior parte das carreiras. A proposta encaminhada ao Congresso Nacional altera vários pontos do serviço público civil, especialmente aqueles relacionados ao Regime Jurídico Único (RJU) instituído pela Constituição de 1988.

A estabilidade existirá apenas em áreas que lei futura vier a definir como essenciais ou típicas de Estado. Nas demais, poderá haver contratação por tempo indeterminado. Os aprovados em concurso terão que passar por período de experiência, no qual haverá avaliação de desempenho e da aptidão para a atividade, como se o processo seletivo não tivesse exatamente essa finalidade.

“A reforma administrativa do governo Bolsonaro é mais uma falsa solução milagrosa. Significa mais um passo no desmonte do Estado nas áreas da saúde, da educação e da segurança. Já o patrimônio daqueles que ficaram mais milionários na pandemia, permanece intocável. E a desigualdade social segue galopante”, afirmou a líder do PCdoB na Câmara dos Deputados, Perpétua Almeida (AC).

Ela criticou o projeto de reforma administrativa enviado ao Congresso. Uma primeira parte dessa reforma veio na forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Nova Administração Pública. Outras medidas legislativas complementares deverão ser apresentadas posteriormente.

Para a parlamentar, a reforma é uma falsa solução e um passo a mais no desmonte do Estado. Perpétua Almeida comparou a proposta às reforma anteriores, como a trabalhista e a da Previdência, que foram feitas sob a promessa de estimular a economia e a criação de empregos. Na prática, isso não aconteceu mesmo com o sacrifício dos direitos dos trabalhadores.

“A reforma administrativa do governo é mais uma daquelas promessas de quem se mostrou incapaz de construir um projeto de país e de nação. Lembra da reforma da previdência que prometeu arrecadar R$ 1 trilhão, e até agora nada? Lembra também da reforma trabalhista? Não era ela que iria gerar milhões de empregos? Cadê os empregos? A reforma tributária é outra, se arrasta e não mexe nos altos impostos do país”, ressaltou.

Corte em direitos

A reforma veda na Constituição um rol de benefícios e vantagens, entre eles as promoções por tempo de serviço e as licenças decorrentes de quinquênio, ressalvadas aquelas para capacitação. Leis futuras também regulamentarão as possibilidades de desligamento, hoje restritas a infração disciplinar e a sentença judicial. Essas situações continuarão, mas a sentença poderá ser de órgão colegiado.

Além disso, normas ordinárias definirão os casos de insuficiência de desempenho. A demissão por falta de desempenho e sentença judicial não têm relação com a estabilidade, mesmo os servidores com estabilidade podem ser enquadrados no desligamento por esses motivos.

Uma das mudanças da PEC da Nova Administração Pública amplia atribuições do Poder Executivo para ajustar a administração pública sem necessidade de projeto de lei.

Rachadinha

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice líder da Minoria na Câmara, também condenou a proposta, destacando que a reforma pretende "acabar com o regime jurídico único, os planos de carreira e a estabilidade, além de abrir brechas para a contratação de laranjas e aumentar os poderes do Executivo para criar cargos sem passar pelo Legislativo". 

"Quanto menos servidores públicos concursados, maior espaço pra rachadinha", completou, em alusão às investigações sobre o desvio de dinheiro público no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Pandemia

Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a reforma administrativa elege o funcionalismo como inimigo do Estado. "Bolsonaro quer transformar os servidores públicos em inimigos da nação", apontou. Em suas redes sociais, o parlamentar observou que essa proposta de reforma é mais cruel com os que menos ganham "e fazem toda a diferença para o serviço".

O deputado paulista denunciou que a "incompetência criminosa" de Bolsonaro produziu mais de 120 mil mortos pelo coronavírus. "Sem os servidores da saúde e o SUS, os mortos da Covid talvez já chegassem à casa do milhão", comentou.