A vitória de Lula é alento e impulso para a diversidade cultural brasileira. Leveza na alma. Sentimento de pertencer e poder voltar a dar asas à imaginação. Exercer a criação e fazer acontecer. Cultura como direito e arte como ofício, sem perseguições, assédios, censuras e restrições indevidas.

O reencontro do Brasil consigo mesmo. Poder ser o que somos, multiétnicos, multirreligiosos, diversos nos nossos fenótipos, sotaques, comidas, danças e vestimentas. Resistimos pela cultura, vencemos com ela e vamos avançar por ela. Alguém duvida? Pois eu não!

Nosso país entrou no mapa das guerras culturais, onde opiniões, valores, visões de mundo, comportamentos e modos de vida são instrumentalizados politicamente. Nessa estratégia binária e perversa da extrema-direita global, a solidariedade é confrontada com o individualismo, o amor com o ódio , a convivência com o isolamento, o combate aos preconceitos com a eliminação das diferenças. Morte contra a vida, com a negação das vacinas e das medidas básicas de saúde coletiva. Arte, cultura, ciência e educação como alvos a serem destruídos.

A vitória de Lula repõe a democracia como norte, permite a retomada de  iniciativa política e do comando do país por forças avançadas. Neste novo momento é central contrapor à guerra cultural uma disputa das consciências, através da afirmação de valores democráticos, onde a  civilização se sobreponha à barbárie.

E neste contexto, a arte e a cultura são os instrumentos mais potentes que podemos dispor para chegar ao Brasil profundo, aos cantos e recantos, ouvir e trocar opiniões, fortalecer o diverso, todas as plataformas de conversas e debates, potencializar a criatividade das artes e ofícios, dos pontos de cultura nas comunidades e territórios às complexas e diversas cadeias produtivas do mercado cultural, onde precisam ser desenvolvidas políticas industriais em áreas como a produção audiovisual, fonográfica e editorial, entre outras.

Recriar, reconstruir e soerguer o Ministério da Cultura não é apenas a ampliação de uma estrutura administrativa. É uma iniciativa carregada de sentido histórico. Vale lembrar que a criação do Ministério da Cultura no Brasil, no ano de 1985, foi fruto do processo de abertura democrática. Sua retomada se dará no contexto de uma nova redemocratização do Brasil, após anos de ataques deliberados e desmonte das instituições culturais.

Um Ministério da Cultura que expresse a relevância da arte e da cultura no desenvolvimento da nação brasileira civilizada e identificada. Que compreenda o papel estratégico da vida cultural em sua capacidade de recompor o tecido social brasileiro, fomentar o desenvolvimento econômico, promover a ocupação cultural dos territórios, gerar milhões de empregos, investimentos e oportunidades. Cultura como vetor de integração do país na sua pluralidade, e afirmação de nossa singularidade e capacidade de cooperação perante ao mundo. 

Em meio à pandemia e ao pandemônio bolsonarista, com a unidade e articulação entre o setor cultural e o Congresso nacional,  fomos capazes de aprovar a Lei Aldir Blanc, possibilitando que recursos da ordem de R$ 3 bilhões chegassem a todos os estados e a 4.700 municípios brasileiros – a maior ação de fomento da história de nossas políticas culturais. Graças ao modelo federalista e descentralizado da Aldir Blanc, foi possível alcançar fazedoras e fazedores de cultura de todas as linguagens, incluindo povos originários, ribeirinhos, pequenos artesãos, populações periféricas. Uma Lei que fez rodar e que pôs em prática o Sistema Nacional de Cultura, previsto em nossa Constituição Federal. 

Temos desafios urgentes e que precisam ser enfrentados já agora, no momento da transição de governo. Garantir recursos para a Lei Aldir Blanc 2, de caráter permanente, já no orçamento de 2023. Prorrogar a vigência da Lei Paulo Gustavo,  para superar os obstáculos criados pelo atual governo, aplicando no próximo ano os recursos já destinados no orçamento de 2022, aplicar o incentivo ao mecenato com critérios justos para todo o país.

Construir novos marcos regulatórios, revogar centenas de portarias e decretos que impediram e prejudicaram as políticas culturais, artistas, produtores, educadores. É preciso fortalecer as valorosas instituições da cultura brasileira como Ibram, Iphan, Fundação Palmares, Biblioteca Nacional, Funarte, Casa de Rui Barbosa, Arquivo Nacional, destravar a Ancine, entre outras que vêm sendo sucateadas e precarizadas.

Mobilizar uma grande Conferência Nacional de Cultura, que nos permita em diálogo com a sociedade atualizar o Plano Nacional de Cultura para os próximos 10 anos. 

Compreender a transversalidade da cultura com áreas como a  economia , a educação e a comunicação, como premissa básica . É fundamental que a agenda da cultura encontre sustentação e força política no Congresso, junto aos demais setores do governo, e em um diálogo permanente e estruturante com a sociedade.  A política deve estar no comando para  que tudo isso aconteça.

Nenhuma nação pode prescindir de sua identidade. E sem arte e cultura não somos povo. E nenhuma luta de ideias pode ser feita sem presença nos territórios, valores democráticos e potência criativa.

*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro. Artigo publicado originalmente na Revista Fórum.