O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (27) a abertura de inquérito para investigar as denúncias do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, envolvendo Jair Bolsonaro. O magistrado deu até 60 dias para que Moro seja ouvido e apresente provas das acusações contra o presidente.

Ao deixar o governo na sexta-feira (24), o ex-juiz acusou a interferência de Bolsonaro em inquéritos da Polícia Federal. Segundo Moro, o presidente decidiu trocar a direção-geral da Polícia Federal porque gostaria de ter acesso a informações de inquéritos sobre sua família. Após as declarações de Moro, o pedido de abertura do inquérito foi encaminhado no mesmo dia pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Mello, decano do STF, foi sorteado relator do pedido.

Segundo o ministro, os fatos narrados por Moro têm relação com o exercício do cargo, o que permite a investigação de Bolsonaro. Isso porque a Constituição impede que o chefe do Executivo seja alvo de apuração alheia ao exercício do mandato. “Os crimes supostamente praticados pelo senhor presidente da República, conforme noticiado pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, parecem guardar (…) íntima conexão com o exercício do mandato presidencial”, justificou o ministro.

Ao repercutir a notícia, o vice-líder do PCdoB na Câmara, deputado Márcio Jerry (MA) afirmou que “ninguém tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país, muito menos o presidente da República”.

O argumento também estava no relatório de Celso de Mello. De acordo com o ministro, Bolsonaro é súdito das leis, como qualquer outro cidadão. Por isso, está sujeito às consequências jurídicas e políticas de seus próprios atos e comportamentos relacionados ao exercício da função.

Agora, com a abertura do inquérito, começa a fase de produção de provas. Aras pediu ao Supremo que a linha de investigação tenha início com o depoimento de Moro e que o agora ex-ministro apresente documentos que comprovem suas declarações. Uma das medidas que podem ser tomadas no curso do inquérito é a quebra de sigilos telefônicos, por exemplo, para verificar a autenticidade da troca de mensagens entre Sergio Moro e Bolsonaro. O material foi indicado por Moro como prova da suposta influência e divulgado pelo Jornal Nacional.

A imagem da conversa mostra que o presidente enviou a Moro o link de uma reportagem sobre a PF estar “na cola” de dez a 12 deputados bolsonaristas. No print, o número que seria de Jair Bolsonaro escreve: “mais um motivo para a troca”, em referência ao então diretor-geral da PF, Mauricio Valeixo.

O estopim para que Sergio Moro deixasse o governo – e denunciasse as irregularidades cometidas por Bolsonaro – foi justamente a demissão de Valeixo da Polícia Federal. Para a PGR, a fala do ex-ministro indica possibilidade de crimes como falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.

Na opinião de especialistas consultados pela revista ConJur, as declarações de Moro, em tese, podem levar Bolsonaro a responder a processo de impeachment e ação penal por crimes de responsabilidade e crimes comuns. Na Câmara dos Deputados, até o final de semana, havia 29 pedidos de impeachment a serem apreciados pelo presidente da Casa, deputado federal Rodrigo Maia. Três deles foram protocolados após a coletiva do ex-ministro.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), as acusações de Moro contra Bolsonaro foram gravíssimas. “De acordo com Sergio Moro, Bolsonaro estava preocupado com investigações correndo no STF sobre fake news e atos antidemocráticos. Ele quer interferir politicamente na PF para proteger seus filhos e esconder a ligação da família com as milícias”, lembrou a parlamentar.

A deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) também comentou a decisão do STF. A parlamentar lembrou que segundo a PGR, ao menos oito crimes teriam sido cometidos por Bolsonaro, de acordo com as denúncias de Moro. “Falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crimes contra a honra”, elencou a parlamentar.

“Se faltava algo à sofrível passagem de Bolsonaro pela presidência do país, não falta mais. Com menos de um ano e meio de mandato, como seus crimes de responsabilidade parecem não ter fim, já tem contra si um inquérito aberto no Supremo”, afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

CPI

No Congresso, a pressão para investigar as denúncias contra Bolsonaro também é crescente. Na sessão desta segunda-feira, a líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC) voltou a cobrar a instalação do colegiado. “É impossível o Parlamento assistir a tudo isso sem fazer nada. É preciso investigar”, declarou.