Após duas semanas de recesso parlamentar, retornamos ao Congresso com uma preocupação urgente: o enfrentamento ao tarifaço de 50% de Donald Trump sobre produtos brasileiros. Mas o que todo o Brasil viu foi algo bem diferente, embora igualmente perverso: o sequestro das duas casas legislativas. O motim da extrema-direita teve como exigências a anistia a Jair Bolsonaro e seus conspiradores (prestes a ser condenados pela Justiça), o fim da prerrogativa de foro (manobra para escapar do STF) e o impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes (que no mesmo dia 04 decretara a prisão domiciliar do inelegível por “reiterado descumprimento de medidas cautelares”). 

Ao violar ordens judiciais explícitas para tentar inflamar a massa que ainda o segue – embora 55% dos brasileiros rejeitem a anistia e 61% afirmem que não votariam em quem apoiasse qualquer perdão – Bolsonaro dobra a aposta em busca de mais sanções dos EUA. Até porque, no espectro do extremismo contemporâneo, Trump e ele são como espelho um do outro. Ambos têm desejos fascistas incontidos e tentaram usurpar o poder após perderem a reeleição nas urnas. Só que, enquanto Bolsonaro se enxerga como o “Trump tropical”, este se horroriza com a imagem refletida: um golpista em julgamento. 

Ao defender o “fim da perseguição” e a “caça às bruxas” a Bolsonaro, os EUA de Trump querem evitar que o Brasil dê ao mundo um exemplo de como se combate o extremismo. Por isso, testam a solidez da nossa Constituição (com a escancarada cumplicidade do bolsonarismo). Atacam desde as decisões do Judiciário até o Pix. Neste momento, é fundamental reafirmar nossos valores democráticos, e de soberania cultural, política, tecnológica e econômica. Agredir a soberania nacional é inaceitável. Paralisar o Congresso no momento em que deveríamos estar unidos em defesa do Brasil é, igualmente, um grave ato de lesa-pátria. Apenas a ditadura militar calou (à força) o Congresso Nacional. 

Enquanto acusavam o governo Lula de “intransigência” nas negociações com os EUA e apontavam Alexandre de Moraes como o “responsável” pelo tarifaço, os bolsonaristas sequestraram inteiramente a pauta e impediram que a parte séria do Congresso trabalhasse na resolução do problema. Com suas correntes cenográficas e esparadrapos na boca, atropelaram as prioridades dos brasileiros: a isenção no Imposto de Renda, o fim da escala 6 x 1, a taxação dos super-ricos, a proteção às nossas crianças e dados contra crimes nas redes digitais e, claro, o urgente apoio aos setores econômicos e trabalhadores afetados pelo tarifaço.  

O motim durou 30 horas, mas não o ímpeto golpista da extrema-direita. Na quinta-feira, um dia após a desocupação das mesas diretoras, um senador bolsonarista reconheceu de público que a pauta extremista (chamada candidamente pelo senador Flavio Bolsonaro de “pacote da paz”) não tem nada a ver com as preocupações do povo: “Precisamos votar a anistia para depois voltar ao que interessa ao Brasil”. Na sexta-feira, um deputado federal igualmente bolsonarista foi à TV afirmar que, se não forem atendidos em seus pleitos antidemocráticos, “que se feche o Congresso!”. 

As declarações sem meias-palavras do senador e do deputado foram feitas após a desocupação das mesas diretoras, no dia 06/08. Logo, não é exagerado o apelido que o motim já recebeu: “08 de Janeiro do Congresso”. E sabemos que toda tentativa de golpe precisa ser investigada e punida. A suspensão de deputados que ousaram profanar a Câmara com seus ímpetos totalitários será o mínimo que poderemos fazer para tentar restabelecer a normalidade institucional. Assim como é urgente a cassação do golpista Eduardo Bolsonaro, que segue nos EUA para manobrar contra a economia e a soberania brasileiras. 

É dever de todo parlamentar proteger a democracia do Brasil. Como norte, nunca é demais lembrar o discurso de Ulysses Guimarães ao proclamar a Carta Magna de 1988: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações.” É hora de agir com a firmeza destas palavras contra os entreguistas que nos querem de joelhos diante dos EUA. Acima de tudo, é hora de ter orgulho da força brasileira, do estadista que temos como líder, e de mostrar, com nosso exemplo, que a soberania das nações é o pilar fundamental do mundo multipolar, equilibrado e justo com o qual sonhamos. Viva o Brasil soberano e democrático!

*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro. Artigo originalmente publicado na Carta Capital.