Justiça tributária e soberania digital: os trilhos da democracia
A luta de classes atual tem uma característica que complica o jogo para os mais pobres: nunca os ricos foram tão ricos. As diferenças entre os interesses dos bilionários e os da maioria absoluta dos habitantes da Terra são cada vez mais gritantes. Um exemplo da última semana: Jeff Bezos, o dono da Amazon, “alugou” a romântica cidade de Veneza para se casar com a jornalista Lauren Sánchez. De uma hora para outra, a vontade de uma única pessoa (mais 50 milhões de dólares) modificou a rotina da milenar cidade italiana ‒ e enfureceu os venezianos. Multiplicaram-se os protestos contra a ousadia do ricaço de tentar transformar ruas, canais e monumentos históricos de Veneza em seu “parque de diversões particular”.
Infelizmente, os protestos têm hoje efeito limitado diante da quantidade obscena de dinheiro que bilionários como Bezos usam para satisfazer suas vontades, ainda que contrariem os interesses da maioria da Humanidade. O alcance das mensagens contrárias aos abusos dos super-ricos esbarra na questão incontornável de que eles também são os donos das plataformas digitais onde todos nos comunicamos hoje em dia. Estaremos condenados a viver sob as regras e caprichos desta elite impiedosa?
Não sem haver disputa. Na última semana, o Brasil travou batalhas reveladoras da luta de classes contemporânea, em que poucos podem cada vez mais e a maioria, quase nada: uma por justiça tributária; outra, pela regulação das redes sociais.
Era sobre justiça tributária o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que taxava o andar de cima, com aumento de impostos sobre compra de dólares, gastos no exterior, bets e fintechs, derrubado pelo Congresso em uma semana esvaziada e com pauta decidida na véspera à noite*. (O decreto foi o segundo elaborado pelo governo, derivado de um acordo provocado pela insatisfação de partidos de centro-direita e direita. Portanto, o decreto derrubado foi o acordado entre governo, presidentes das duas casas e líderes partidários após uma longa reunião.)
Já a decisão histórica do STF que altera o artigo 19 do Marco Civil da Internet e obriga as big techs a protegerem seus usuários dos muitos crimes que ocorrem sem punição em suas redes sociais tratava de garantir minimamente a soberania digital do Brasil.
Justiça tributária e soberania digital estão no centro dos novos debates sobre a luta de classes, ainda que hoje essa disputa seja difusa e descentralizada, mas com uma agenda que se consolida em todo o mundo e reúne pautas como a redução da jornada de trabalho e a taxação de grandes fortunas. Essa agenda, popular, conclama os países a combater as desigualdades e injustiças, sejam elas econômicas, sociais ou climáticas. Uma maneira de colocar isso em prática é fazer os super-ricos pagarem impostos proporcionais à própria riqueza.
Era disso que se tratava o decreto de Lula: sintonia com o próprio tempo. Mas interesses privados ‒ das bets, dos bancos, de bilionários do agro e do setor imobiliário, que também seriam taxados ‒ derrubaram vergonhosamente as medidas de justiça tributária do governo no Congresso. Pior: mentiram para a sociedade brasileira ao esconder que estavam reduzindo impostos apenas dos mais ricos; a conta, querem empurrar para o andar de baixo, como sempre, cortando em benefícios sociais, na Saúde e na Educação.
Da mesma forma, mentem sobre a decisão do STF a respeito do Marco Civil da Internet. Alegam que a decisão de se proibir a livre circulação de fake news e discursos de ódio na web é “censura”. Ao contrário: foi o consórcio entre big techs desreguladas e a extrema-direita mentirosa e manipuladora que popularizou projetos autoritários, de Trump a Bolsonaro, de Bukele a Milei, e continua a ameaçar democracias em todo o mundo.
Tanto as recentes e falsas noticias sobre as medidas antipovo aprovadas pela maioria do Congresso, quanto a boa decisão do STF sobre o Marco Civil da Internet convergem em um ponto: as eleições de 2026. Impedir que fake news e discursos difamatórios, estratégias comuns da extrema-direita, circulem abertamente nas redes será crucial para um pleito verdadeiramente democrático. Caberá às plataformas zelar por seu conteúdo.
Já o Parlamento, onde o campo progressista é minoria, sequestrou parte do Orçamento e interfere em ações do Executivo, como o decreto de aumento de Imposto sobre Operações Financeiras, derrubado inconstitucionalmente, e não discute pautas que representam as lutas mais urgentes das classes populares brasileiras, como a redução da jornada 6×1 e a taxação de grandes fortunas para compensar a isenção do Imposto de Renda de quem recebe até 5 mil reais. O governo abraçou esses dois temas e trabalha para que sejam aprovados. Já a oposição teme que isso aumente a popularidade de Lula e muda de assunto o tempo todo, contra os interesses do povo.
Conservador em sua maioria, o Congresso sabe que contribuir para a melhoria de vida da população prejudica os planos da extrema-direita de voltar ao poder. Por isso, em vez de debater o fim da escala 6×1 e a justiça tributária, insiste em anistia para golpistas.
Mas o que o Brasil deseja mesmo é redução da jornada de trabalho sem perda salarial e que os ricos entrem no Imposto de Renda. É sobre isso o Plebiscito Popular 2025, iniciativa da sociedade civil que ouvirá a população de julho até setembro para afirmar a força destes assuntos. São demandas inescapáveis, mas que estão sendo deixadas de lado por interesses eleitoreiros da oposição. Vamos mostrar que os caprichos de poucos não podem usurpar os sonhos da maioria. Para saber mais do Plebiscito, acesse https://plebiscitopopular.org.br/. O que o povo quer é vida digna, justiça e democracia.
*O decreto era a favor do povo e sua constitucionalidade será julgada pelo STF.
#PelaTaxaçãoDosSuper-ricos!
*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro. Artigo originalmente publicado na Carta Capital.