Integrar pela democracia
Temos objetivos em comum com os norte-americanos: agir para enfrentar a investida global da extrema-direita e construir uma frente internacional em defesa da democracia.
Seis meses após a entrega de seu relatório final, a CPMI dos Atos Antidemocráticos é um exemplo para o mundo. Nesta semana, uma comitiva de parlamentares brasileiros desta Comissão, que indicou o indiciamento de Jair Bolsonaro e generais de alta patente entre 61 pessoas por tentativa(s) de golpe, está em Washington para compartilhar sua experiência com parlamentares dos Estados Unidos, outro país que também teve sua democracia ameaçada em anos recentes.
Participo do encontro, mediado pelo Instituto Wladimir Herzog, ao lado da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, do senador Humberto Costa (PT-PE) e dos deputados os deputados Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), Rogério Correia (PT-MG) e Rafael Brito (MDB-AL). Temos objetivos em comum com os colegas norte-americanos: agir para enfrentar a investida global da extrema-direita e construir uma frente parlamentar internacional em defesa da democracia.
As duas tentativas de golpe tiveram origens semelhantes: dois candidatos a autocratas, Donald Trump e Bolsonaro, tentando se perpetuar no poder e manipulando a opinião pública para isso. No dia 6 de Janeiro de 2021, em Washington, uma multidão inflamada pelas fake news negacionistas, questionamento da lisura das eleições e discursos de ódio de Trump invadiu o Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos. O feroz ataque terminou com cinco mortos e 40 feridos, e mesmo assim “inspirou” outra agressão a instituições republicanas, dois anos e dois dias depois, no Brasil. O 8 de Janeiro de 2023 em Brasília também foi provocado por fake news negacionistas, questionamento da lisura das eleições e discursos de ódio, repetidos anos a fio por Jair Bolsonaro. Não teve mortos, mas feriu gravemente a democracia brasileira, assim como o 6 de Janeiro agrediu fortemente a dos Estados Unidos.
Se as origens e até os métodos foram parecidos, as consequências dos golpes fracassados foram distintas entre os dois países. Por aqui, Bolsonaro foi tornado inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, e as instituições trabalham com firmeza pela punição dos golpistas. Já a possibilidade de um novo mandato de Donald Trump é ameaçadoramente real, porque até hoje a Suprema Corte estadunidense ainda avalia as responsabilidades do ex-presidente sobre os eventos de 6 de Janeiro de 2021.
O peso dos Estados Unidos e do Brasil na geopolítica mundial é imenso. Por esta razão – e por terem sido golpeados quase em sequência -, o mundo acompanha com muita atenção a instabilidade e a luta pela manutenção da democracia. O campo democrático avalia as iniciativas para ter modelos eficazes de enfrentamento às investidas fascistas, enquanto a extrema-direita tenta sabotá-las pela mesma razão.
Encontrar possibilidades de ações conjuntas, não apenas entre Brasil e Estados Unidos, mas em todos os países interessados em barrar o avanço ultraconservador, é um dos objetivos prioritários da visita a Washington. A máquina extremista atua em rede, com conexões em diversos países, e está em disputa aberta. Nesta semana, a Hungria de Viktor Orban, aliado de Bolsonaro, sediou um encontro de alinhamento estratégico para eleições que ocorrerão no mundo neste ano – entre elas, a corrida presidencial nos Estados Unidos e os pleitos municipais no Brasil. Representantes fascistas do Brasil, da Argentina, Espanha, Áustria, Holanda, França, Alemanha, Itália, Israel, Polônia e Eslovênia se encontraram para tramar seus próximos passos na sabotagem aos regimes republicanos. Esta movimentação torna ainda mais necessária e urgente a formação de uma frente parlamentar internacional em defesa dos valores democráticos, nas suas várias dimensões.
Em Washington, teremos uma intensa agenda, que envolve o encontro com o deputado democrata Jamie Raskin, que liderou o segundo processo de impeachment contra Donald Trump e presidiu a comissão de investigação da invasão ao Capitólio. A comitiva brasileira apresentará as possibilidades de investigação e punição abertas pela CPMI dos Atos Antidemocráticos do 8 de Janeiro. Com ela, não apenas indicamos os indiciamentos, mas buscamos evidenciar a máquina de propaganda extremista do gabinete do ódio e mapear a cadeia de articulação e financiamento do 8 de Janeiro. Não é pouca coisa. Polícia Federal, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal seguem na investigação, têm nosso relatório como forte subsídio e trilha a seguir e trabalham com rigor e cuidado para que todas as pontas da trama sejam esclarecidas e seus responsáveis, punidos. Como fazemos questão de pontuar, sem anistia.
Em paralelo, há nas instituições brasileiras articulação e luta – assim como em outros países – para frear a epidemia de desinformação que serve tanto à extrema-direita como ao chocante faturamento das big techs. As plataformas digitais aprenderam a lucrar com os discursos de ódio de Trump, Bolsonaro, Orban, Milei e semelhantes e resistem a qualquer tentativa de regulação das redes sociais. Pior: distorcem o debate. O lobby é muito pesado. O que deveria ser sobre segurança, saúde e privacidade em ambientes digitais é transformado num hipócrita discurso sobre “liberdade de expressão” – com alcance impulsionado por robôs e muito dinheiro. O recente destempero de Elon Musk, dono do ex-Twitter “X”, com o STF, o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Lula não foi mera excentricidade de bilionário. Foi a rede ultraconservadora em ação.
A extrema-direita internacional sabe que qualquer avanço na regulação das redes diminui seu alcance para cometer crimes. Em especial, a proteção contra fake news durante o período eleitoral frustra seus planos de erodir a democracia “por dentro”. E a Justiça Eleitoral brasileira já anunciou que responsabilizará os autores de notícias falsas, com ou sem uso da inteligência artificial, durante o período eleitoral. Este é mais um exemplo de ação institucional brasileira. Esperamos ainda ouvir dos companheiros estadunidenses suas experiências bem-sucedidas, e ver como é possível aplicá-las à realidade brasileira. A cooperação entre os dois países na investigação das joias roubadas por Bolsonaro certamente aponta uma direção promissora na contenção do financiamento de extremistas. E na punição de ladrões golpistas.
A intenção da visita ao Congresso Americano, à Comissão de Direitos Humanos da OEA e ao político democrata Bernie Sanders é avançar conjuntamente na denúncia da ameaça da extrema-direita e no compromisso com a luta democrática, os direitos humanos e os valores republicanos. Esperamos contribuir, com o legado da CPMI, para o fortalecimento da democracia. A experiência brasileira pode servir como referência de resistência democrática para o mundo.
*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ, vice-presidente nacional do PCdoB. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.