Imagine que estamos em janeiro de 2027. Eleito e empossado por uma coalizão de oligarquias reacionárias e fake news, o novo presidente do Brasil não perdeu tempo: em poucos dias, já assinou uma série de decretos que têm deixado atônitos até os mais neoliberais analistas da mídia liberal.

Em Brasília, há uma verdadeira caça às bruxas: por adesismo ou medo de perder o emprego, funcionários de ministérios e órgãos públicos têm denunciado colegas, incentivados pelo governo. Os alvos são os mesmos dos decretos presidenciais: “esquerdistas”, feministas, antirracistas, defensores dos direitos humanos.

Indígenas, quilombolas, as comunidades LGBTI+, PCD e outras minorias estão perdendo direitos conquistados a duras penas. Pessoas trans têm sido perseguidas e atacadas nas ruas e até mesmo em suas casas por falanges extremistas. Apenas por existirem.

O novo governo desmantela a toque de caixa o Ministério da Educação, considerado muito caro para os cofres públicos. Professores estão sendo demitidos por suas “posturas ideológicas”. Pesquisas científicas têm sofrido cortes paralisantes; artigos e papers, censura prévia. Projetos de financiamento cultural foram interrompidos sob a acusação de “identitários”. A partir de agora, receberão verbas públicas apenas as produções que reflitam a “arte clássica” — colonialista e alienante.

Na semana passada, o Brasil deixou a Comissão de Direitos Humanos da ONU, rasgou todos os acordos climáticos, liberou a exploração de seus biomas e abandonou a OMS, o que nos tornará uma ameaça sanitária para todo o mundo em questão de meses.

Empresários mal intencionados ganharam acesso irrestrito a dados sensíveis de empresas e cidadãos, e têm utilizado essas informações privadas para anular concorrentes e perseguir pessoas. Já programas sociais como Bolsa Família, Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida foram abruptamente encerrados. A fome já já retorna e, com ela, doenças para as quais não há mais atendimento ou vacina no SUS privatizado por um ministro da Saúde negacionista.

Anteontem, o novo presidente disse que a “mamata dos vagabundos acabou”. Ele tem incentivado a truculência policial e o ódio ao povo em uma série de declarações explosivas. Empoderados pelas palavras tóxicas do presidente, milicianos e justiceiros começaram a circular pelas ruas livremente.

Após algumas semanas deste ritmo atordoante de retrocessos e violências em forma de decretos presidenciais e medidas provisórias, hoje uma âncora de telejornal tomou coragem e disse o óbvio, ao vivo: o Brasil já não vive mais em uma democracia. Agora há pouco, a concessão da emissora foi cassada.

Esta sequência de pesadelo imaginada para o Brasil de 2027 é uma realidade possível. Atos similares aos descritos têm sido adotados, em velocidade estonteante, pelo novo governo Trump. Já não podemos dizer que os EUA são uma democracia. A Educação, a Saúde, as finanças públicas, os programas sociais, a ciência, a arte, a cultura, o pensamento crítico, os direitos civis, os direitos humanos e a privacidade dos cidadãos foram sequestrados por um grupo de oligarcas que tomou o poder, tenta fazer do país uma autocracia fascista e ameaça o equilíbrio global.

Não podemos duvidar, nem por um instante, de que se retornar ao poder no Brasil, a extrema-direita fará igual ou pior. Os mesmos golpistas que tentaram matar Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes; que tentaram explodir o aeroporto de Brasília; que conspiraram com militares em acampamentos na frente de quartéis; que invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes para provocar um golpe militar; quase todos ainda estão à solta. E contam com os algoritmos das big techs para circular suas mentiras, como no episódio das fake news sobre a taxação do Pix. Nossos inimigos são tão poderosos quanto inescrupulosos.

Nos EUA, promotores e juízes tentam dar conta da avalanche de decretos desumanos, xenófobos, homofóbicos e totalitaristas de Trump e sua gangue de desreguladores. No Brasil, temos um Judiciário atento ao golpismo, e processos em andamento que podem resultar a qualquer momento na prisão de seu principal líder, Jair Bolsonaro. Mas isso é o mínimo. Não podemos conceder anistia a ninguém que atentou contra a democracia brasileira. E nem permitir que empresas e governos estrangeiros interfiram em nossa soberania. Para impedir o avanço do fascismo no Brasil, nossos objetivos, mais do que nunca, devem ser: SEM ANISTIA PARA GOLPISTAS! REGULAÇÃO DAS REDES JÁ!

* Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ), vice-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do PCdoB. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.