O extremismo é filho da impunidade. Em 1956, um grupo de militares sequestrou aviões e se refugiou em Aragarças, no interior de Goiás, para organizar um golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek. A tramoia fracassou e os golpistas foram anistiados. Três anos depois, o mesmo grupo repetiu a estratégia e rumou para Jacareacanga, no Pará, de onde articulou outra tentativa de golpe. Juscelino deixou o governo antes de uma nova anistia, mas seu sucessor, Jânio Quadros, tratou de perdoar mais uma vez os insurgentes.

Em entrevista recente ao ICL, o professor João Cezar de Castro Rocha nos lembra que, entre os anistiados da segunda insurreição, havia um capitão da aeronáutica chamado Burnier. Três anos depois, ele estaria entre os protagonistas do golpe de 1º de abril de 1964, que jogou o Brasil nas trevas por duas décadas. Burnier chegou a brigadeiro e foi um dos maiores propagadores do terror na ditadura militar. Suas digitais estão na morte e ocultação do cadáver do jornalista Rubens Paiva e na tortura brutal e assassina do jovem militante Stuart Angel. Um sádico empoderado pelas anistias de JK e Jânio. E uma aula prática das consequências do perdão a criminosos.

Na última quarta-feira 13, tivemos mais um exemplo didático do que são capazes os extremistas que desprezam instituições democráticas, atentam contra elas e colocam vidas em risco: um homem praticou um ato terrorista e suicidou-se aos pés da estátua da Justiça, em Brasília. Era tão caricato quanto perigoso: antes de se autoimolar com um artefato explosivo, planejou, espalhou e detonou bombas e rojões pela Praça dos Três Poderes. Também deixou armadilhas no próprio apartamento, que certamente seria investigado. No dia do ataque, chegou a circular livremente pelo Congresso. Mas o principal alvo do terrorista eram o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes. A farta quantidade de mensagens conspiratórias e ameaças evidenciaram rapidamente a causa de sua morte: excesso de estímulo contra a democracia. Ninguém que pratica atos com essas características está isolado, muito menos nas redes sociais.

O terrorista acreditava piamente em todas as fake news do gabinete do ódio. Segundo familiares, há alguns anos o catarinense de Rio do Sul, de 58 anos, caiu na toca de coelho da extrema-direita e nunca mais conseguiu sair de lá. Acreditou no falso postulado “a liberdade vale mais do que a própria vida”, repetido sem parar pelo covarde Jair Bolsonaro. Radicalizado a partir de vídeos, posts e grupos de mensagens bolsonaristas, foi candidato a vereador pelo PL em 2020 e frequentou acampamentos golpistas após a derrota de seu ídolo nas urnas, no fim de 2022. Finalmente, a manipulação o levou ao ponto de planejar e executar um atentado terrorista – algo sempre incentivado e perseguido nos fóruns conspiratórios.

Depois de morto, foi chamado de “maluco” e “lobo solitário” pelo homem que idolatrava. Mas não era “solitário”: realizava-se no senso comunitário dos grupos extremistas que sonham com intervenções violentas contra a democracia, e que não diminuíram seu ímpeto após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Seguem ativos e dispostos a golpear novamente a República.

Não há a menor dúvida de que a origem do atentado de 13 de novembro de 2024 é a mesma do 8 de Janeiro de 2023: a contínua radicalização de brasileiras e brasileiros, perpetrada de múltiplas formas pela extrema-direita, de motociatas a vídeos de sites e plataformas conhecidas e grupos de mensagens. Ironicamente, o atentado da última quarta-feira veio em péssima hora para Bolsonaro e outros golpistas, famosos por insuflar a violência e o ódio, justamente quando se articulavam com as forças reacionárias do Congresso em torno de uma vergonhosa anistia aos golpistas do 8 de Janeiro.

A antropóloga Isabela Kalil, do Observatório da Extrema-Direita, uma das principais especialistas nas práticas insidiosas do radicalismo político, alertou para a possibilidade de novos atentados. “Se alguém achava que o 8 de Janeiro era uma coisa isolada, foi um equívoco. O risco está aumentando”, disse a acadêmica ao UOL. A resposta das instituições, portanto, precisa ser muito dura. Os ministros do STF estão atentos e, logo após o ataque, sinalizaram que não irão compactuar com nenhuma espécie de anistia. “Impunidade vai gerar mais agressividade”, disse Alexandre de Moraes, relator das ações penais dos atos antidemocráticos.

Se a sociedade brasileira emitir sinais aos extremistas de que há espaço para impunidade, novos ataques acontecerão. Se as redes sociais continuarem sem nenhuma espécie de regulação, novos extremistas, fanatizados por discursos de ódio como o homem-bomba de Brasília, continuarão a surgir. Apenas a força da lei e da regulamentação pode distensionar o radicalismo das pessoas que caíram na toca de coelho do fanatismo e do extremismo, guiadas por algoritmos maliciosos e financiadores capitalistas que gostam mais de dinheiro do que de democracia.

Mais do que nunca, é urgente concluir os inquéritos que apontam Jair Bolsonaro e militares como os generais Heleno, Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e o almirante Garnier, entre muitos outros apontados, pela CPMI dos Atos Antidemocráticos e investigações da PF, como artífices deste golpismo saudosista da ditadura. O que não faltam são provas, e novas evidências, recuperadas recentemente do celular do tenente-coronel Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro, serão anexadas às ações.

Todos eles precisam ser julgados, com amplo direito à defesa, e devem pagar por todo o mal que foi feito em nome de um projeto criminoso. Precisamos finalmente aprender com os erros de Juscelino, de Jânio e do “esquecimento” dos crimes do regime militar. Golpe sem punição é convite ao terror. Desta vez, não permitiremos anistia aos golpistas! Ditadura nunca mais!

*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro, vice-presidente nacional do PCdoB. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.