O Rio de Janeiro acolheu, em abril deste ano, o maior e mais importante evento de Defesa e Segurança da América Latina, a “LAAD Defence & Security 2015”. Em sua décima edição, a feira reuniu delegações de mais de 70 países e cerca de 700 expositores com o objetivo de promover a indústria de defesa no Brasil, setor conhecido pelo seu potencial de inovação e de difusão tecnológica para as demais áreas da economia.

A realização da feira já é um reflexo da importância da Base Industrial e Tecnológica de Defesa no Brasil, mas é importante destacar que diversas medidas foram tomadas nos últimos anos para consolidar institucional e legalmente a implementação de uma política integrada para o setor. Atualmente, o segmento tem grande prioridade nos documentos estratégicos brasileiros, como a Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Contudo, uma base industrial ampla e dinâmica precisa mais do que feiras e um esqueleto normativo. Exige mobilização e acompanhamento político, apoio da opinião pública e recursos consideráveis.

Em um país como o Brasil, que enfrenta desafios socioeconômicos importantes – como a diminuição da pobreza, acesso à educação e integração de parcela de sua população à economia –, é natural se perguntar se gastos nesse domínio devem ser privilegiados. E a resposta a este questionamento é clara: sim! O Brasil deve consolidar uma base industrial de defesa, capaz de atender às demandas das Forças Armadas e de irradiar conhecimento, emprego e tecnologia em outros setores da economia.

A trajetória de outros países como Rússia, França, Reino Unido e, mais recentemente, China e Índia, mostra que desenvolver uma indústria de defesa e de alta tecnologia constitui, antes de tudo, um projeto estratégico. Isso vale especialmente para um país como o Brasil, que além de possuir considerável patrimônio de recursos naturais que precisa proteger, está buscando uma inserção ativa no cenário geopolítico e econômico internacional. Vale reforçar que a importância da indústria de defesa advém tanto de seu caráter estratégico, decorrente da produção dos equipamentos de defesa do país, essenciais para garantir sua defesa e soberania, quanto de seus aspectos econômicos, que estão relacionados ao domínio de tecnologias sensíveis – muitas com caráter dual – e à geração de inovação, de empregos de alta qualificação e de exportações de elevado valor agregado.

Recentemente demos início a um projeto para dotar o país de meios para resguardar sua soberania e independência nacional. Da decisão da aquisição e nacionalização dos aviões de caça Gripen ao submarino a propulsão nuclear, que patrulhará nossa “Amazônia Azul”, já na próxima década. Dos blindados Guarani a um moderno sistema dissuasório de artilharia antiaérea, bases de projeto de transição do Exército brasileiro à “era do conhecimento”. Todos, projetos que envolvem dezenas de bilhões de reais e que permitirão intensa recomposição de nossa base industrial e tecnológica de Defesa, além de gerar e assegurar empregos. Uma coisa é despender em defesa, como fazíamos até recentemente, alimentando indústrias e criando empregos em outros países. Outra é transformarmos o investimento em defesa em emprego e crescimento tecnológico para o Brasil.

Precisamos considerar que essa indústria é elemento motor para o desenvolvimento econômico. A história tem evidenciado o papel desempenhado pela produção de equipamentos de defesa no crescimento e florescimento da economia. A partir da produção de armamentos, por exemplo, foi possível o surgimento de diversas atividades, como a siderurgia, a aeronáutica e a microeletrônica. A indústria da Defesa levou também ao incremento do nível de especialização de mão de obra, gerando novas áreas de formação, entre elas a óptica, eletrônica e aeronáutica. Ou seja, a produção de armamentos e de sistemas de defesa tem sido, em muitos países, a locomotiva do desenvolvimento industrial e tecnológico.

Isso ocorre uma vez que a indústria de defesa é importante geradora e difusora de novas tecnologias dentro da estrutura produtiva de uma nação, e dela surge grande parte das inovações. Estudos indicam que 60% da pesquisa em defesa têm também aplicação para o âmbito civil, contra 20% em sentido inverso. Em um mundo globalizado, a competitividade é puxada pela dualidade tecnológica, que permite o cruzamento de atividades civis e militares, em um círculo virtuoso.

No Brasil, esta área deveria ser um pilar central de um novo projeto de desenvolvimento focado na indústria de alta tecnologia e na inovação, sob indução e atento acompanhamento do Estado. O desenvolvimento tecnológico que o mundo registra gera o entendimento de que o país que não possui tecnologia está condenado à dependência política e econômica. O futuro do País passa, assim, pela inovação autóctone, o que envolve a consolidação de um sistema que integre o Estado, as universidades e as empresas.

O desenvolvimento da base industrial e tecnológica de Defesa, ademais, poderá se constituir num vértice constitutivo de um projeto mais amplo de reindustrialização da economia nacional. A industrial moderna, como é a de Defesa, segue sendo elemento basilar do desenvolvimento econômico, uma vez que sem indústria não há prosperidade nacional de progresso econômico e social.

Muito resta a fazer ainda para desenvolver uma verdadeira base industrial e tecnológica de defesa no Brasil, capaz de irradiar conhecimento, gerar empregos e contribuir positivamente para a balança de pagamentos brasileira. Demos os primeiros passos nesse sentido, com a Lei 12.598/12, que cria as Empresas Estratégicas de Defesa, e com mecanismo de financiamento destas empresas de alta base tecnológica, por meio de regimes especiais como o Retido e de programas de financiamentos das agencias de fomento – como o realizado pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Entretanto, no próximo período serão necessárias uma segunda geração de medidas, que avancem na legislação de encomendas tecnológicas e efetive previsibilidade de compras, com a finalização do PAED (Plano de Articulação e Equipamentos em Defesa).

Mesmo em um período de ações para reequilibrar as contas públicas e cortes no Orçamento para seguir no caminho do crescimento e do desenvolvimento, a Defesa Nacional e o fortalecimento da indústria nesse setor não podem ser minimizadas de modo linear, pois as implicações a longo prazo de uma diminuição dos recursos que precisam a elas serem alocados podem custar muito à soberania nacional e à preservação de nosso patrimônio econômico. A história está repleta de exemplos de países que, por não distinguirem entre o que é conjuntural e seus interesses inarredáveis a médio e longo prazo, pagaram amargo preço em décadas e mesmo séculos seguintes. As possibilidades existem e as condições estão dadas, basta que as decisões estratégicas de fôlego, de longo prazo, sejam efetivamente tomadas e encampadas pela sociedade como um todo.

 

*Foi deputada federal pelo Acre por três mandatos e presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.