A série inglesa Adolescência se tornou rapidamente um fenômeno mundial de público, com mais de 66 milhões de espectadores, liderando a audiência na plataforma de streaming Netflix nas últimas semanas. Que bom isso ter ocorrido, porque ela trata de uma das questões mais importantes e desafiadoras da atualidade, a relação entre o público infanto-juvenil e o ambiente digital.

A trama começa com a detenção do estudante Jamie Miller (Owen Cooper), de 13 anos, suspeito de ter assassinado uma colega de escola. A partir daí, começa o verdadeiro debate trazido pela série, que não é o crime em si, mas suas motivações ocultas, levando-nos à discussão sobre os riscos a que estão expostos crianças e adolescentes com o uso não supervisionado das redes sociais.

Adolescência nos revela o quanto a busca por legitimação e aceitação social, algo intrínseco ao atual modelo de negócios das plataformas digitais, pode ser cruel com meninas e meninos imaturos, ainda em fase de formação, que muitas vezes sequer conseguem compreender de fato a gravidade e a consequência de suas condutas.

Advém daí boa parte do caldo de cultura que resulta no crescimento exponencial dos crimes de ódio através das redes. Um deles é a formação de grupos de misoginia em fóruns online – a chamada “manosfera” ou “machosfera” –, que reúnem e induzem os “incels” (celibatários involuntários) ao ódio e à violência contra mulheres, as quais consideram responsáveis por desejos ou amores não correspondidos.

Somos, então, apresentados a um universo próprio, com códigos e linguagens que nós, pessoas de outras gerações, desconhecemos. Nessa nova forma de organização da sociedade, na qual o mundo virtual e o real estão em simbiose, um simples emoji pode embutir conceitos que, apesar de ignorarmos, fazem sentido e têm resultados práticos na vida daquele público. O cyberbullying é o exemplo mais concreto disso.

A série traz um choque de realidade a nós, adultos e pais, que muitas vezes acreditamos que nossos filhos estão seguros dentro de seus quartos, mas não nos damos conta de que o ambiente online tem implicações na vida real, tanto que atualmente há uma rápida transformação no perfil dos jovens infratores.

A dra. Vanessa Cavalieri, juíza da infância do Rio de Janeiro, em recente entrevista à CNN Brasil, afirmou que, nos últimos anos, principalmente após a pandemia, cresceu muito o número de adolescentes de classes média e alta apreendidos pela prática de atos infracionais com uso de tecnologia sem a supervisão de adultos. Dado ainda mais alarmante: existem casos de violência extrema, como ataques a escolas, aliciamento de garotas e estupros virtuais, além de crimes como vazamento de nudesfake nudes, pornografia de vingança, racismo, homofobia, capacitismo, dentre outros.

Diante de quadro tão dramático, não há como contornar o debate legislativo sobre a responsabilização civil das plataformas digitais, assim como formas de ampliar as políticas de contenção a riscos sistêmicos e deveres de cuidado, principalmente quando o público exposto é infanto-juvenil.

Afinal, estão sendo violados ou ameaçados dispositivos constitucionais, notoriamente o Art. 227 da Carta, e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ademais, o Código Civil Brasileiro e o Código de Defesa do Consumidor adotam a Teoria do Risco (Art. 927, § único, do CC e Art. 14 do CDC), segundo a qual existe a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, de reparação pelos danos decorrentes da atividade econômica desenvolvida pela empresa.

A responsabilização civil das plataformas, a meu ver uma urgência a ser enfrentada, não exime os cuidados parentais, tampouco a educação digital, que deve ser uma preocupação dos poderes públicos em todos os níveis.

É desafiador, mas o tempo exige que mães, pais e responsáveis limitem e supervisionem a exposição digital de crianças e adolescentes, bem como construam relações de confiança para que possam dialogar francamente sobre os riscos do ambiente digital, sem deixar de vivenciar as boas experiências e oportunidades proporcionadas pelas novas tecnologias.

Definitivamente, precisamos falar sobre a Adolescência, especialmente quanto à responsabilidade compartilhada, tanto no plano jurídico como no ético, que todos devemos ter com a construção da sociedade que queremos legar à atual e às próximas gerações.

*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB de São Paulo. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.