Por uma nova Lei de Migração
O mundo passa por um momento de grave crise humanitária, uma das mais graves desde a Segunda Grande Guerra. Imagens estarrecedoras correm o planeta e se firmam como um dos emblemas mais tristes dessa crise. Entender origens e resultados dessa realidade torna-se urgente, especialmente, em momento no qual os fluxos migratórios são cada vez mais intensos.
O Brasil é um país que tem sua formação sociocultural baseada, em grande parte, pelas levas de imigrantes que recebemos desde a época do descobrimento. A ordem do mundo globalizado é da livre circulação de mercadorias, mas, nessa mesma ordem, deve haver o direito e a garantia da livre circulação de pessoas, sobretudo, a valorização destas.
Não podemos nos omitir e nem classificar como casos isolados as agressões sofridas por imigrantes haitianos no mês de agosto, em São Paulo. E muito menos negar o aumento do número de denúncias de casos de violência, racismo e xenofobia contra imigrantes no Brasil. Essa realidade não condiz com a nossa cultura de tolerância e acolhimento.
Soma-se a isso o fato de o Estatuto do Estrangeiro ser uma norma implementada durante o Regime Militar, lastreada numa política de segurança nacional, na qual o migrante é classificado como uma ameaça ao país.
Em julho, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 288/2013 que prevê tratamento humanitário ao migrante e se pauta pela garantia dos direitos humanos. A proposta reposiciona o papel do migrante e entende que os fluxos migratórios são engrenagens importantes para o crescimento do país.
Dados do Ministério da Justiça apontam que o número de imigrantes que solicitam o visto de permanência no Brasil dobrou em quatro anos, chegando a 30 mil pedidos anuais – contra 15 mil em 2010. Do Haiti, chegaram ao Brasil mais de 7 mil pessoas apenas pelo Acre.
Dados publicados pela Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, indicam que, entre 2010 e 2014, o número de novos refugiados no país cresceu 1.255%. Nesse universo, de acordo com a Polícia Federal, 39 mil são haitianos que ingressaram no Brasil a partir de 2010.
A situação dos imigrantes que buscam emprego no Brasil, por exemplo, não é segura, dado que as condições impostas pelo Estatuto do Estrangeiro para o trabalho praticamente tolhem a possibilidade de que venham ao país sem um contrato prévio de trabalho. A falta de autorização de trabalho favorece a precarização das relações laborais dos imigrantes e a atuação de grupos criminosos que lucram com a intermediação ilegal dessa mão de obra estrangeira. Sem falar nas denúncias de submissão desses imigrantes à condição análoga de escravo.
É preciso refletir sobre esse cenário. Esse será o foco da Comissão Especial que analisará o Projeto de Lei 2516/15, que institui a Lei de Migração, na qual sou relator. O Brasil deve se reposicionar diante do cenário posto. Temos de ter uma lei que permita, por um lado, combater qualquer tipo de xenofobia, intolerância e preconceito, e por outro, que favoreça as trocas de conhecimento, a criatividade e o desenvolvimento do nosso país.
Estou empenhado em avançar nessa pauta, não é concebível que a migração seja tratada como caso de polícia. Isso depõe contra nossa história e vai na contramão de propostas que fomentem o avanço em setores estratégicos para o desenvolvimento do país.
A atual legislação precisa ser modernizada para além dos valores de segurança. Essa modernização deve ter o viés dos direitos humanos, da liberdade, da solidariedade, da criatividade e do desenvolvimento, só assim faremos jus ao sentido de humanidade que procuramos nos identificar.
*Ministro do Esporte nos governos Lula e Dilma e vereador na cidade de São Paulo entre 2013-2014. É deputado federal pelo estado de São Paulo.