A cultura popular é sempre uma grande mestra, e o Carnaval de 2025 trouxe lições valiosas para estes tempos de luta pela (re)construção do Brasil. Enquanto a Sapucaí desfilava seu esplendor meticulosamente trabalhado ao longo de 2024, um brado ecoava com força e urgência pelas ruas do país: SEM ANISTIA!

Foi um Carnaval à altura do momento, carregado daquela energia revigorante que nos dá fôlego para enfrentar os desafios do ano. Energia que, no domingo, 4 de março, atravessou fronteiras e chegou a Los Angeles, na torcida pelo filme brasileiro Ainda Estou Aqui. E que culminou em catarse nacional quando o longa de Walter Salles – ao recuperar a trajetória da família de Rubens Paiva e reavivar os horrores da ditadura – foi consagrado Melhor Filme Internacional no Oscar. (Eu, que havia passado o dia no brasileiríssimo Baile Multicultural do Cordão do Boitatá, na Praça XV, ao som de Tim Maia, Zeca Pagodinho e Banda Black Rio, fui dormir naquela noite transbordando orgulho de ser brasileira.)

Essa explosão de alegria e autoestima percorreu o país, das arquibancadas da Sapucaí – onde, na madrugada de segunda-feira, desfilavam as escolas do Grupo Especial – às ruas tomadas pelos blocos. E intensificou o grito de protesto contra a impunidade dos golpistas do 8 de Janeiro, talvez o grande hit deste Carnaval. “Sem anistia!” foi entoado incessantemente em Salvador, Brasília, Recife, Olinda, São Paulo, Rio, Belo Horizonte e tantas outras cidades.

A exceção foi Porto Alegre, onde o prefeito proibiu o Carnaval de rua na Cidade Baixa – uma tentativa canhestra de silenciar a voz das ruas. Mas nem a repressão conteve a conexão direta entre o 8 de janeiro e o golpe de 1964. Na terça-feira, foliões-manifestantes fizeram ecoar o grito da resistência em frente ao prédio do general reformado José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi do 1º Exército, apontado como um dos responsáveis pela tortura e morte de Rubens Paiva – episódio central de Ainda Estou Aqui. Dentro de seu apartamento no Flamengo, Zona Sul do Rio, o general deve ter escutado, a contragosto, a mensagem clara de um país que não tolera mais o perdão para crimes contra a democracia e a vida.

Pela primeira vez divididos em três dias, os desfiles da Sapucaí também foram um tributo à resistência, com nove das doze escolas do Grupo Especial exaltando a ancestralidade, os movimentos de luta e as personalidades negras de nossa história. O Oxalá da Imperatriz, o Malunguinho da Viradouro, a Xica Manicongo do Tuiuti, os bantus da Mangueira, o Milton Nascimento da Portela, o Laíla da Beija-Flor… Um mosaico deslumbrante da cultura brasileira, celebrando diversidade étnica, religiosa, de gênero e a riqueza de nossas tradições – sem perder de vista o futuro.

A apoteose veio na despedida de Neguinho da Beija-Flor, que encerrou meio século de serviços inestimáveis ao Carnaval, e no anúncio de Paolla Oliveira, que se despediu como Rainha de Bateria da vice-campeã Grande Rio. Dois ícones que, com suas trajetórias, sintetizam a grandeza da festa popular que é nossa maior expressão de identidade e resistência.

Enquanto isso, o bloco golpista desafina cada vez mais. Diante do magnetismo de Fernanda Torres, que brilhou no Oscar, e do impacto global da vitória de Ainda Estou Aqui, os reacionários sumiram das redes – como revelou um estudo da Fundação Getúlio Vargas. A Cultura, a Memória e o resgate histórico se mostraram, de uma só vez, instrumentos poderosos contra os ímpetos fascistas da extrema-direita.

Já as fantasias mal-ajambradas de “perseguidos” e “injustiçados” dos golpistas se rasgaram de vez sob a chuva de áudios, vídeos, testemunhos e documentos que escancaram a orquestração de Jair Bolsonaro, militares de alta patente e outros traidores da Pátria para tentar impor um novo golpe ao Brasil. Agora, resta a eles aguardar seu julgamento – com direito à ampla defesa – e pagar pelo que lhes couber.

Quanto a nós, seguimos amplificando a voz das ruas e o poder da Cultura para nos fortalecer como nação. E seguimos, na mesma cadência democrática, sem esmorecer – até que o último golpista esteja preso.

SEM ANISTIA!

*Jandira Feghali é deputada federal (PCdoB-RJ), vice-líder do governo Lula na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do PCdoB. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.