O alarme que vem da França
O sinal de alerta dado nas eleições para o Parlamento Europeu virou um ensurdecedor alarme com os resultados do 1º turno na França. O partido de extrema direita Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, obteve uma vitória histórica, ficando na liderança com 33% dos votos.
A Nova Aliança Popular, que reúne os partidos França Insubmissa, de Jean-Luc Mélanchon, Ecologistas, Partido Comunista, Partido Socialista e outros menores, alcançou 28% dos votos e ficou na segunda colocação. O movimento liderado pelo presidente Emmanuell Macron conquistou apenas 20%.
Foi um duro revés para Macron, que fez uma aposta de alto risco ao convocar novas eleições legislativas diante do avanço da extrema-direita. Provavelmente, seu cálculo político foi aproveitar o receio que o Reagrupamento Nacional desperta para colocar seu campo político como o ponto de convergência possível para impedir a marcha extremista.
Até fazia sentido, na lógica de defesa de um campo democrático, pois se deixasse o tempo correr, uma vitória de Le Pen poderia ser assimilada pelo sistema político. O problema é que faltou combinar com o eleitorado, do qual parcela relevante segue num polo político que ameaça soterrar os nobres valores de liberdade, igualdade e fraternidade.
Cabe aqui refletir sobre o momento difícil que os povos atravessam em todo o mundo, o que leva à desilusão com a política e, consequentemente, ao flerte com saídas fáceis e falsas para problemas difíceis. O ódio, o medo, o rancor são as matérias primas que a extrema-direita mobiliza eleitoralmente. É conveniente arranjar um inimigo interno como bode expiatório para a aridez da vida. Na Europa, particularmente na França, a questão migratória tem relevância.
A tática é velha, mas segue funcionando, ainda mais agora amplificada pelas redes sociais. É mais fácil e compreensível culpar o imigrante desesperado, que se submete a condições de trabalho e salários piores, pelo emprego perdido ou o corte de benefícios, do que demonstrar que o desenvolvimento anárquico do capitalismo impõe desigualdade, desemprego e miséria. No passado, os inimigos fabricados foram os judeus, atualmente são os imigrantes, principalmente os africanos.
A campanha do RN chocou ao distribuir cartazes que pediam um futuro bom para as “crianças brancas” e que mostravam negros embarcando em um avião com os dizeres “que voltem para a África”. Mas chocou a quem? As parcelas esclarecidas da população, que já rejeitavam a extrema-direita? Infelizmente, ainda é pouco para evitar a barbárie.
Em um mundo cada vez individualista e atomizado, as metanarrativas têm dificuldades em arrebatar corações e mentes. Enquanto isso, a supressão de direitos, a ausência de conquistas e a precarização cada vez maior do trabalho têm imposto sofrimento e exclusão insuportáveis para imensas parcelas empobrecidas dos povos. É tudo o que os profetas do caos desejam – quanto pior, pior.
Os instrumentos tradicionalmente utilizados pelo campo progressista para dialogar com os trabalhadores, como sindicatos e movimentos populares, estão enfraquecidos e sob ataque cerrado do capital – vide o que acontece no Brasil após a reforma trabalhista. Ao mesmo tempo, as ferramentas de comunicação proporcionadas pelas maravilhas da tecnologia, sequestradas pela lógica nefasta dos algoritmos que premiam o radicalismo, retroalimentam o discurso de ódio e encapsulam o debate público em bolhas, dando vantagem objetiva à extrema-direita nessa seara.
O que fazer, então? A primeira coisa é imediata: para impedir que a extrema-direita indique o primeiro-ministro é preciso derrotá-la no 2º turno.
A Nova Aliança Popular acerta ao retirar candidaturas menos competitivas para apoiar quem pode vencer a RN nos distritos. Espera-se que o centro e a centro-direita tenham a maturidade e o senso de urgência que a situação exige e deem a contrapartida. Configurar uma coalisão política de natureza democrática e com um programa melhor, capaz de absorver demandas populares, seria um caminho para erguer o dique de contenção, que é vital nesse caso. Será uma tragédia imensurável se a velha França sucumbir.
Para o futuro, em todo o mundo, mas nos cabe fazê-lo aqui no Brasil, é necessário voltar a vocalizar a esperança, renovar lideranças, encantar, apresentar propostas concretas que possam melhorar as condições de vida e garantir um mínimo existencial a todos. É preciso enfrentar as amarras e constrangimentos que impedem a retomada de ciclos virtuosos de desenvolvimento e distribuição da riqueza, sem o que viveremos a enxugar gelo e criar novos “arcabouços fiscais”.
Não menos importante: temos que voltar a disputar consciências! A extrema-direita tem uma agenda, uma péssima agenda – moralista, racista, misógina, transfóbica, odiosa e antipopular -, mas ela é nítida e mobilizadora desse grupo, que foi ganho ideologicamente para defendê-la. Nosso papel deve ser menos institucionalizado e mais mobilizado junto ao povo para resgatar o verdadeiro sentido da política. Não temos o direito de fazer ouvidos moucos ao alarme que vem da França!
*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB de São Paulo. Artigo publicado originalmente na Carta Capital.