O presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China, deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), diz que o presidente norte-americano Donald Trump não vai ter sucesso econômico com sua investida de impor tarifas aos demais países e estará sujeito a freios do próprio sistema daquele país.

“Acho que vai pagar um preço alto economicamente, além da degradação ambiental. Nós estamos num patamar de problemas climáticos graves e ele sai do Acordo de Paris, libera a produção do petróleo, o carvão e todas as energias sujas”, disse o deputado em entrevista ao Portal Vermelho.

Para ele, não há como os Estados Unidos circularem no mundo global com essa narrativa. “Acho que vai se dar mal e vai chegar num momento em que o próprio sistema americano vai impor os freios”, diz.

O parlamentar também falou das consequências dessa política para o Brasil e a China. No caso brasileiro, ele falou sobre a situação do aço. “O aço que o Brasil vende para os Estados Unidos também foi atingido, então não foi uma ação dirigida. Foi uma ação global que atingiu também o Brasil, num patamar menor do que seria 10 ou 15 anos atrás, dada a posição que o país se encontra hoje de ter outros mercados”, diz.

Com relação à China, Almeida avalia que se trata de uma economia que já ultrapassou a norte-americana. “Tem reservas extraordinárias de capital para investir, não tem como deter a China, talvez seja esse o principal motivo do desespero que o Trump apresenta hoje. É uma espécie de esperneio, estamos sendo ultrapassados e vamos aqui gritar para ver se a gente subtrai alguma condição mais favorável para negociar”, observa.

Confira a entrevista:

Quais as demandas do Grupo Parlamentar Brasil-China para este ano?

Nós temos o desafio de conectar mais o grupo parlamentar com o parlamento chinês. Acho que esse é um foco importante que eu imagino que possa ser aprimorado, bem como fazer o acompanhamento de acordos bilaterais que o Brasil assinou com a China nos últimos anos. Como esses acordos estão sendo executados? Que avanços eles estão produzindo? Eu acho que são frentes assim importantes e imagino também trabalharmos melhor a capilarização do grupo. Fazer com que o grupo possa chegar a alguns estados. Instituir núcleos do grupo parlamentar de amizade em alguns estados, nos parlamentos estaduais e municipais. A ideia é tentar aproximar mais a China do Brasil capilarizando o contato de municípios chineses com municípios brasileiros, estados chineses com estados brasileiros ou províncias chinesas com estados brasileiros.

As relações comerciais com a China fecharam 2024 acima de US$ 160 bilhões. Acordos bilaterais foram assinados em diversas áreas com a visita do presidente chinês Xi Jinping. Como o senhor avalia essa relação?

Esse é um elemento muito relevante. As relações comerciais estabelecem uma base material de contatos muito expressiva. E cada vez mais aparecem demandas de contatos com o parlamento, contato com o governo. No caso da China, todas as relações comerciais passam de alguma forma com relação de governo. Então, a base são as relações comerciais, que é crescente, está em fase de expansão. Ao mesmo tempo, nós devemos ter a preocupação em estabelecer relações de caráter mais institucional, relações de caráter cultural, que é muito importante. Nós também buscamos essa aproximação, essa identidade maior entre o povo chinês e o povo brasileiro, mas a base, sem dúvida nenhuma, são as relações materiais, são as relações econômicas e comerciais. Vejo que, diante da conjuntura que nós estamos vivendo no mundo, há uma possibilidade de muita ampliação dessas relações comerciais.

Como o senhor avalia essa posição do presidente norte-americano Donald Trump em abrir guerra comercial com os demais países?

Os Estados Unidos não vão conseguir manter esta narrativa das barreiras comerciais e nem vão impor o ritmo que eles imaginam, ou seja, os benefícios que isso vai trazer para a economia dos EUA. Acho que vai pagar um preço alto economicamente, além da degradação ambiental. Nós estamos num patamar de problemas climáticos graves e ele sai do Acordo de Paris, libera a produção do petróleo, o carvão e todas as energias sujas. Não tem como circular nesse mundo global com essa narrativa. Acho que vai se dar mal e vai chegar num momento em que o próprio sistema americano vai impor os freios. Olha, o Trump tem essa característica de ser falastrão, de adotar a política da contestação de tudo e de todos. Ele age como se estivesse na responsabilidade de orientar o procedimento econômico e político para o planeta. O Lula disse muito bem: Ele não foi eleito para governar o mundo, ele tem de se conscientizar disso. Ele sabe que o papel relativo dos Estados Unidos na economia global é grande, mas é cada vez em decréscimo, está cada vez perdendo mais protagonismo, cada vez se tornando mais dependente de outras economias. Então ele faz a política de contestar a partir dessas bravatas, mediar alguma coisa, negociar alguma coisa. Acho que é isso que vai acabar acontecendo. O sistema americano não vai permitir que o Trump faça nem perto daquilo que ele anuncia que fará.

Como fica a situação brasileira nesse contexto? Por exemplo, há a questão do aço.

O aço que o Brasil vende para os Estados Unidos também foi atingido, então não foi uma ação dirigida. Foi uma ação global que atingiu também o Brasil, num patamar menor do que seria 10 ou 15 anos atrás, dada a posição que o país se encontra hoje de ter outros mercados. Mas penso que, também com o Brasil, os Estados Unidos têm mais a perder do que a ganhar. Nós somos compradores de manufaturas de produtos acabados dos Estados Unidos, uma relação que não vai favorecer os americanos. Penso que num tempo mais curto possível vai ser possível perceber que o impacto para o Brasil foi pequeno e os Estados Unidos vão estabelecer algum espaço de cotas, coisas que diminua essa tentativa de estabelecer as barreiras.

No caso específico da China, analistas acreditam que pode haver sérios problemas econômicos para os Estados Unidos, uma vez que podem ser interrompidas as cadeias de suprimentos e produção, com implicações adversas para o emprego e o crescimento daquele país.

Também um pouco de desespero. Mas é evidente que hoje os Estados Unidos dependem muito mais da China do que o contrário. Depende por que a China detém boa parte dos títulos públicos que os Estados Unidos vendem no mercado, detém tecnologicamente grande parte do que é consumido nos Estados Unidos e produzido na China. Tem muitos investimentos americanos na China. Depende também em relação às matérias-primas, em relação a tecnologias. O Deep Seek deu um baile aí na turma da Inteligência Artificial.

Deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) – Fotos: Richard Silva/PCdoB na Câmara

A China é o grande contraponto à tentativa dos EUA de retomar a hegemonia mundial? Como o senhor avalia o papel dos chineses no sentido equilíbrio das relações internacionais?

Eu acho que essa é a trajetória e a tendência natural. A China ultrapassar hegemonicamente os Estados Unidos do ponto de vista do papel na economia global. A economia mais produtiva e principal mercado faz uma política de valorização de respeito aos organismos multilaterais, portanto, buscando relações com todas as nações. Relações equilibradas, respeitando a posição e os modelos, os governos, as instituições de cada um dos países, no que eles chamam de relação ganha-ganha. Portanto, a China está na fronteira tecnológica com um maior mercado, com uma economia produtiva que já ultrapassou a dos Estados Unidos. Tem reservas extraordinárias de capital para investir, não tem como deter a China, talvez seja esse o principal motivo do desespero que o Trump apresenta hoje. É uma espécie de esperneio, estamos sendo ultrapassados e vamos aqui gritar para ver se a gente subtrai alguma condição mais favorável para negociar. Acho que é adequado que olharmos esse exemplo que a China constrói: de desenvolvimento econômico, de tecnológico, de inclusão social e da sua capacidade de ser parceira, de fazer um discurso condizente com o mundo global que estamos vivendo hoje. Penso que o Brasil precisa observar isso, seguramente observará, e estamos nos BRICS. Nós podemos ter uma situação que favoreça o desenvolvimento do nosso país.

A China tem o programa cinturão e rota em que procura parcerias para projetos de seu interesse. Quais as diferenças entre China e EUA no trato comercial com os demais países?

A China faz especificamente o Cinturão e Rota, que é para dizer que quer parcerias com o mundo, parceria ganha-ganha, cooperação mútua entre as nações e os povos. Ou seja, desenvolvimento econômico com as características de cada país, e a China quer ajudar a que as nações se desenvolvam. O Cinturão e Rota oferecem condições mais favoráveis para os países que aderem a essa iniciativa. Eu acho que é uma coisa muito positiva. É uma grande novidade que a China apresenta.

Por que o Brasil resiste e aderir à Rota da Seda?

Pois é, a diferença entre o que os Estados Unidos adotam como política global hoje e o que a China adota é paradoxal. Inclusive, os Estados Unidos, até um tempo atrás, diziam que os mercados tinham que ser livres, tinham que acabar com as fronteiras. Eles imaginavam ocupar todos os espaços da economia, do mercado global. Agora é o contrário, os Estados Unidos fazem uma política isolacionista e segregacionista. E a China querendo livre mercado, relações bilaterais equilibradas e relação com o fortalecimento das instituições multilaterais. Não é a primeira vez que um país relevante na economia faz esse tipo de movimento, mas com essas características é a primeira vez que isso acontece. E defendo que o Brasil faça adesão ao Cinturão e Rota. Não sei por que o Brasil não fez isso ainda, porque não há nenhuma obrigação formal nem de aderir, nem de se manter na iniciativa. Pode entrar, sair no momento que achar conveniente e aderindo, também fazer os entendimentos, os acordos que achar mais conveniente. Então eu defendo que o Brasil faça movimento no sentido da adesão.