A pressão ruralista garantiu que na noite desta quarta-feira (24), a urgência do Projeto de Lei (PL) 490/2007, também conhecido como marco temporal, avançasse na Câmara, por 324 votos contra 131 e uma abstenção. O PCdoB votou “não” à matéria e repudiou o atropelo encabeçado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para realizar a votação da matéria.

“A urgência da votação do PL do Marco Temporal entrou de maneira totalmente descabida na pauta da Câmara, e pode trazer gravíssimos retrocessos conquistados pelos povos indígenas”, criticou a líder do PCdoB, deputada Jandira Feghali (RJ).

Segundo Jandira, vários líderes manifestaram a necessidade de o PL 490 não entrar na pauta. “É um tema sensível, polêmico, complexo. Nós deveríamos ter combinado antes essa pauta entre todos os líderes. Essa pauta não coloca nenhum privilégio aos povos indígenas. Ao contrário, ela pode trazer gravíssimos retrocessos a direitos já conquistados e a outros que estão por ser conquistados por povos historicamente discriminados neste país. E os dados que temos não mostram que os povos indígenas ameaçam. Eles que estão sendo mortos por garimpos e pela exploração ilegal de suas terras”, completou a parlamentar.

O PL 490 institucionaliza a tese ruralista que busca restringir os direitos das comunidades indígenas sobre suas terras, uma vez que só teriam direito à demarcação dos territórios que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, teriam de comprovar a existência de disputa judicial ou conflito pela área na mesma data.

O marco temporal legaliza e legitima as violências a que os povos originários foram submetidos, em especial durante a ditadura militar. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para entrar na Justiça em defesa de seus direitos.

“Eles se esquecem que os povos indígenas estavam aqui muito antes disso. O Brasil é terra indígena e esse PL é uma violência contra os povos originários”, criticou o vice-líder do governo, deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA).

Na prática, o PL 490 inviabiliza as demarcações de terras indígenas e libera o garimpo nesses territórios, entre outros pontos considerados retrocessos graves aos direitos dos povos originários pelo movimento indígena e pela sociedade civil.

“É um retrocesso inaceitável. Vamos lutar para derrotar essa tentativa de agressão aos povos indígenas”, afirmou o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA).

“É a volta da barbárie e do projeto de destruição dos direitos dos povos originários”, destacou a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS).

Caso se efetive a promessa de Lira de votar o mérito da matéria na próxima semana, a análise acontecerá uma semana antes do julgamento do tema no Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para 7 de junho.

Lira disse que a discussão em Plenário foi feita para impedir a intervenção do STF no tema e justificou sua atitude, ignorando discussão prévia com líderes partidários, afirmando que o requerimento “está na pauta da Casa há quatro semanas”. O açodamento, no entanto, beneficia a bancada ruralista, que celebrou a aprovação da urgência e chegou a atacar e ameaçar parlamentares indígenas após sua aprovação.

Sob gritos de “assassinos”, a deputada Juliana Cardoso (PT-SP), da etnia Terena, repudiou a aprovação do texto. “Isso é barbárie. Nós estamos presenciando um genocídio. Assassinos, vocês são assassinos dos povos indígenas.”

Após o fim da sessão, a deputada Célia Xakriabá (PSol-MG) reforçou se tratar de um genocídio indígena com a anuência do Legislativo. “Um Brasil que começa por nós, mas que não leva em consideração o povo originário, que defende não somente um bem prestado a nós, mas sobretudo um bem prestado à sociedade. São assassinos e é um genocídio legislado, usando a estrutura do Congresso Nacional.”