O discurso discriminatório e transfóbico do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) no Dia Internacional da Mulher pode levar à sua cassação. PCdoB, PSol, PDT, PSB e PT apresentaram representação por quebra de decoro parlamentar. Na ação, que será analisada pelo Conselho de Ética da Câmara, os partidos afirmam que o deputado “desonrou o cargo para o qual foi eleito” e abusou das prerrogativas asseguradas “ao cometer ilegalidades e arbitrariedades” e pedem a cassação do mandato do bolsonarista. Em coletiva, realizada nesta quarta-feira (15), parlamentares reafirmaram a gravidade da ação do bolsonarista e cobraram resposta efetiva da Câmara dos Deputados.

"Estamos fazendo esse movimento em conjunto para que tenhamos a punição exemplar desse caso. Não vamos aceitar que utilizem o espaço dessa Casa pra fomentar ódio, violência", disse a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) na coletiva.

No dia 8 de Março, em discurso no Plenário da Câmara, Nikolas Ferreira colocou uma peruca amarela e se apresentou como “deputada Nicole”. O parlamentar afirmou que naquele dia se sentia uma mulher e passou a fazer uma fala criminosa, repleta de ofensas às mulheres trans e travestis.

“Transfobia é crime e crime grave. Foi um absurdo o que aconteceu. Vimos, na Casa do Povo, a reprodução do discurso de ódio, discurso que mata tantas pessoas trans em nosso país. Isso não pode ficar assim. Transfobia não pode ser aceita nesta Casa”, reforça Daiana.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Só em 2022, 131 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país. É o maior número no mundo pelo 14º ano consecutivo, de acordo com o Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Anta).

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), é inadmissível que, no século XXI, um agente público cometa crimes “na tribuna do Poder mais democrático do país”.

“Racismo, transfobia, homofobia matam. E o Brasil é uma vergonha mundial, porque ainda é o país que mais mata a comunidade LGBT. Este país promove profundas desigualdades, pelo recorte de classe, porque mata de fome; pelo recorte de gênero, porque mata mulheres por serem mulheres; pelo racismo, porque mata pessoas negras por serem negras, nas periferias urbanas, por meio de políticas incorretas de segurança. Não dá para aceitar, portanto, que um parlamentar eleito ocupe a tribuna, bote uma peruca e faça gozação a respeito de identidade de gênero. Não pode fazer isso absolutamente contra ninguém”, declarou a parlamentar.

A representação ressalta ainda que “vozes dissonantes, ideologias divergentes entre si, fazem parte do Estado Democrático de Direito e da vida parlamentar na Câmara”, no entanto, a declaração do deputado é “extremamente grave e atenta contra a ordem jurídica e social fixada pela Constituição Federal; descumpre os deveres postos no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados; agride o disposto em diversos tratados e acordos internacionais que o país se comprometeu a observar; e desborda, ainda, em ilicitude penalmente tipificada”.

“Sua prática, por conseguinte, é inconstitucional, ilegal e não compatível com a ética e o decoro parlamentar. Com a instauração do devido processo de investigação no âmbito deste Conselho de Ética, poderá a Câmara dos Deputados, no exercício do poder-dever de investigar os fatos, em face do quanto já revelado e de outros elementos a serem agregados nesta Representação, definitivamente declarar a quebra de decoro por parte do Representado”, destaca o texto da ação.

Repercussão

O episódio ganhou grande repercussão na última semana e foi prontamente rebatido por diferentes bancadas, sobretudo pelas deputadas Erika Hilton (PSol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), ambas mulheres trans.

Vídeos das parlamentares circularam amplamente nas redes sociais. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) foi um dos compartilhou o discurso de Duda Salabert na semana passada. Segundo Orlando, “a melhor forma de se contrapor ao discurso deplorável, preconceituoso e criminoso do deputado Nikolas é dar visibilidade a quem ele quis invisibilizar e calar”. “Uma aula contra o discurso de ódio”, declarou.

O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) destacou o “corretivo” do presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL) pela declaração preconceituosa e criminosa do deputado bolsonarista. Lira afirmou que a Câmara não é “palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos”, que não admitirá desrespeito e que o parlamentar mineiro merece sua “reprimenda pública”.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) destacou ainda que não adianta “pedir perdão”, uma vez que discursos como o dele matam todos os dias pessoas trans no Brasil.