Após muitas alterações e uma derrota importante, um novo pedido de urgência deve ser pautado para votação do Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630), pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em meio a muita falsa polêmica e hegemonia bolsonarista no Congresso, avançar na tramitação deste tema é um dos desafios de deputados e senadores neste ano.

Entrevistado pela TV Brasil, o relator da proposta na Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP), está otimista com a votação da proposta ainda neste semestre, apesar da falta de consenso que envolve o tema. Há diversas câmaras de discussões paralelas no governo e na sociedade civil e com as próprias big techs, que tornam a tramitação complexa.

Depois de aprovado no Senado, em junho de 2020, o texto seguiu para Câmara dos Deputados, onde mudou quase completamente, e está parado desde abril do ano passado. Na discussão com os deputados, ainda no ano passado, a proposta sofreu uma derrota importante. Por apenas 8 votos, a proposta não alcançou os 257 votos necessários para ter a tramitação acelerada e voltou ao estágio em que precisa transitar por comissões ou grupo de trabalho específico.

Ambiente político

Mas Orlando pondera que há mais pontos de convergência que de divergências. “O mesmo eu diria com o governo. E mais: temos canais permanentes abertos com as big techs. Eu, pessoalmente, dialogo com as empresas brasileiras e internacionais, acompanhei todo o processo e sei que fizemos uma caminhada e sou otimista. O mundo inteiro debate esse tema, o mundo inteiro avança na aprovação de leis para garantir acesso à informação, e creio que o Brasil deve se sintonizar com essa nova realidade.”

Orlando ressaltou que o ambiente político este ano é outro. Ele lembrou que os presidentes da Câmara e do Senado, quando eleitos para comandar as respectivas Casas, falaram da importância do combate às fake news. O deputado acrescentou que, além disso, o país tem um novo presidente da República, com outra disposição, que tem colocado o assunto na sua agenda – na visita que fez aos Estados Unidos, a regulação de plataformas digitais foi um dos temas.

Por ser um dos principais agentes de disseminação de desinformação, a Presidência da República sob Jair Bolsonaro era a principal resistência à criminalização das fake news. Durante uma reunião com membros do judiciário, Bolsonaro defendeu que a internet “é um sucesso” (por tê-lo eleito com poucos recursos financeiros) e não deve ser regulada. “Fake news faz parte da nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a namorada? Se não contasse, a noite não ia acabar bem”, afirmou, rindo. “Hoje em dia, o ‘fake news’ morre por si só, não vai para frente. Cai por si só, não precisamos regular isso aí. Tem que deixar o povo à vontade”, disse.

A polêmica sobre a possibilidade de uma Medida Provisória para criminalizar as fake news foi considerado por Orlando um tema superado, mas revela a urgência do tema. “Essa ideia surgiu no calor dos acontecimentos de 8 de janeiro, todos assustados, perplexos e indignados com a tentativa de golpe. Mas o encaminhamento do tema foi no sentido de valorizar o trabalho do Congresso Nacional”, retificou.

Responsabilidade das plataformas

Entre os pontos importantes do PL, estão a criminalização das fake news (notícias falsas), a exigência de que empresas de tecnologia tenham sede no Brasil e a proibição de disparos em massa nos aplicativos de mensagens. Orlando defende a conciliação entre liberdade e responsabilidade na disseminação de conteúdos e opiniões. “Associar este debate ao cerceamento do direito de opinião é mais uma fake news”, afirmou.

A responsabilidade das plataformas que monetizam ou impulsionam a desinformação, é uma das maiores dificuldades. Silva disse que o modelo de negócio dessas plataformas digitais, provedores de aplicativo e redes sociais está ancorado no extremismo, que gera mais engajamento.

Para o deputado, o caminho pode ser a responsabilização da plataforma, quando houver publicidade e impulsionamento. “Uma coisa é alguém publicar algo na rede social, uma ideia. Aí, as plataformas falam que é liberdade de expressão. Se não for conteúdo ilegal, não há problema. Mas, se for publicada uma fake news paga em uma empresa, e essa empresa projetar isso em um alcance que aquilo nunca teria, é outra coisa. As empresas não podem ser sócias da propagação de desinformação, fake news e discurso de ódio. Sempre que houver impulsionamento, patrocínio e ganhos, a plataforma precisa assumir a sua responsabilidade”, afirmou.

O texto prevê prisão de um a três anos e multa para quem promover ou financiar a disseminação em massa de mensagens que contenham “fato que se sabe inverídico” e que possa comprometer a “higidez” do processo eleitoral ou causar dano à integridade física. Além disso, as plataformas terão de publicar regularmente relatórios semestrais de transparência com informações sobre a moderação de conteúdo falso.

A questão da auto-regulação das plataformas digitais é um dos pontos mais questionados por entidades da sociedade civil. Seria dar ainda mais poder às big techs, empresas de tecnologia, para definir o que pode ser publicado como assunto legítimo, gerando um sistema de censura privado. Orlando defende que não é possível falar em regulação, sem um órgão regulador do governo para fiscalizar se as empresas estão cumprindo a lei. Para ele, as pessoas precisam ter mecanismos para questionar a moderação já feita pelas plataformas e evitar a censura.

Mas também não é salutar manter todo o peso da regulação nas mãos do judiciário, como vem ocorrendo. Orlando defendeu a postura dos tribunais durante o processo eleitoral, que garantiu a higidez das eleições. Mas, na opinião dele, uma nova legislação criará parâmetros mais claros e facilitadores do trabalho judiciário.

Polêmicas

A questão do rastreamento de fake news é outro tema delicado por envolver a quebra da privacidade e a possibilidade de vigilância de todos os cidadãos pelo Estado. Orlando explica que o debate evoluiu para apenas acionar o rastreamento de dados reservados de usuários, em caso de fato concreto. Com isso, apenas diante de uma mensagem criminosa com alta circulação, as empresas seriam acionadas a levantar dados pessoais do usuário.

Entre as muitas polêmicas do texto, há uma que Orlando considera “mais uma fake news”. A imunidade parlamentar em relação ao tema é vista com desconfiança por setores da sociedade e usada pelos empresários e opositores do PL para desqualificar o texto. No entanto, o item apenas observa a previsão na Constituição Federal da liberdade parlamentar ao discutir temas em seus diversos vieses.

“A imunidade parlamentar protege as opiniões e o voto dos deputados do governo de plantão. Há maldade de gente que acha que serve para blindar. A imunidade vale no Parlamento, nas redes e na tribuna, mas não pode ser usada para ocultar crime ou criminoso”, justificou Orlando Silva. Diante de um ambiente político polarizado, é preciso cuidar para que todas as vertentes políticas possam expressar suas opiniões, desde que não descumpram o preceito legal. “Nenhum deputado pode subir na tribuna e caluniar um cidadão, sob pena de responder na justiça”.

Foi o caso da condenação pelo STF do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) ao emitir opiniões violentas em rede social. As ameaças e incitação à violência por parte de um parlamentar configuram o crime de tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício do Poder Judiciário. Silveira afirmou que já havia imaginado, “por várias e várias vezes”, o ministro Edson Fachin “na rua, levando uma surra”, junto com outros ministros.

Além de ameaças físicas, o deputado citou, de modo expresso, a cassação de ministros do STF e disse que desejava “um novo AI-5” para essa finalidade. No momento de sua prisão em flagrante, Silveira gravou e divulgou novo vídeo reiterando as ameaças, citando nominalmente integrantes da Corte, com menção expressa à sua disposição de “matar pelo seu país”. Após a condenação, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu indulto, inocentando o deputado.

Diálogo amplo

Paralelamente à discussão no Congresso Nacional, um grupo de trabalho (GT) será formado entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas de tecnologia, as chamadas big techs. O grupo vai mandar sugestões para o texto em discussão pelos deputados.

Por iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, outro grupo de trabalho foi criado para apresentar estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo. A primeira reunião desse grupo, para definir um plano de trabalho, deve ocorrer após o retorno do ministro Silvio Almeida da 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que termina nesta sexta-feira (3) em Genebra, na Suíça.

Entre os 25 integrantes estão o youtuber Felipe Neto, a ex-deputada Manuela D’Ávila e a jornalista Patrícia Campos Mello. Também no âmbito do governo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, já encaminhou sugestões a Orlando Silva.

Experiência internacional

Outro aspecto destacado por Orlando Silva foi que a União Europeia aprovou o ato de serviços digitais e o ato de mercados digitais estabelecendo parâmetros de regulação de plataformas. “Se essas empresas aceitam determinado padrão na Europa, por que não no Brasil? Tivemos um 8 de janeiro em que o Brasil, escandalizado, assistiu àquela barbárie, o que mostra que o importante é combatermos a publicação de conteúdos ilegais”, concluiu.

Com as mudanças que deve sofrer na Câmara, se aprovado pela Casa, o PL das Fake News precisará voltar a análise do Senado.