Integrante da comissão criada para avaliar o pacote de medidas anticrime, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) desfez o nó que envolve declarações ácidas e divergências sobre como vai atuar o grupo – alvo de comentários diversos nos últimos dias. Silva, que tem posição crítica a boa parte das medidas sugeridas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, considera a discussão de todos os itens fundamental.

“Há muita fofoca em relação a este assunto, como se os parlamentares não quisessem votar ou tentassem atrasar a tramitação, mas não queremos medidas protelatórias e sim uma legislação que tenha eficácia. Vamos trabalhar bem por isso, mas muita coisa que foi apresentada no texto terá de ser alterada”, disse.

O deputado, que não comentou sobre a possibilidade de o texto de Moro tramitar em paralelo no Senado, afirmou que a equipe criada pela presidência da Câmara tenta trabalhar unida. E tem como objetivo debater bem os pontos apresentados nos textos a serem analisados, buscando sempre diálogo com o outro grupo instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para também estudar o tema.

Serão avaliados pelos parlamentares os três projetos atualmente em tramitação na Casa que versam sobre a matéria. São eles os Projetos de Lei (PLs) 10.372/18 e 10.373/18 – elaborados por uma comissão de juristas criada pela Casa, presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) –, e o PL 882/19, entregue em fevereiro por Moro.

Os dois primeiros textos apresentam medidas de combate ao crime organizado, crimes hediondos, aos tráficos de drogas e de armas e às milícias privadas. Apresentam, também, normas que possam vir a modernizar a investigação criminal.

Já o PL 882, mais conhecido como “pacote de Moro” por ter sido elaborado por sua equipe, altera a legislação penal e processual penal para estabelecer medidas contra corrupção, crime organizado e crimes praticados com grave violência à pessoa, entre outros pontos.

Orlando Silva contou que a discussão vai levar em conta os três textos para ter uma base para o anteprojeto a ser elaborado. E, para isso, serão mapeados o que ele chamou de “pontos de convergência e divergência entre as pautas”.

Código Penal primeiro

O grupo criado para avaliar as propostas na Casa tem prazo de 90 dias para apresentar um resultado, podendo pedir a prorrogação deste prazo. Mas após as queixas de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criar a comissão estaria articulando um atraso na tramitação do pacote de Moro, os parlamentares trataram de dar declarações de que pretendem atuar no sentido de encerrar os trabalhos bem antes do tempo previsto.

Conforme o plano de trabalho já apresentado, serão avaliados primeiro os pontos referentes a mudanças no Código Penal, como a que prevê excludente de ilicitude para policial que matar durante o serviço e a legítima defesa. Num segundo momento, caso não haja alteração nesse roteiro pré-estabelecido, serão analisados itens que tratam do combate a organizações criminosas, do comércio ilegal de armas e da produção de provas.

No final, serão avaliados pontos como a inclusão na legislação brasileira do chamado plea bargain (confissão do réu para ganhar redução de pena), acordo ou conciliação em ações de improbidade; direito do informante e colaborador, estrutura dos órgãos públicos, antecipação do cumprimento da pena e infiltração de agentes públicos, entre outros.

Para Orlando Silva, o Brasil precisa de ações efetivas de combate à corrupção e à criminalidade, mas com “respeito à Constituição e aos direitos fundamentais”. “Na prática, o pacote anticrime de Sérgio Moro contraria essas premissas, estando longe de assegurar a segurança que os brasileiros tanto anseiam”, afirmou.

Em artigo de sua autoria publicado em fevereiro passado, o deputado destacou considerar que as mudanças sugeridas ferem direitos e garantias constitucionais, como a presunção de inocência e o amplo direito de defesa, desrespeitando inclusive a jurisprudência do STF. “A criação do chamado ‘informante do bem’ é institucionalizar a figura do dedo-duro remunerado, que pode estimular uma onda de denuncismo de má-fé”, disse, ao avaliar um dos itens.

Segundo Orlando, a lógica principal para enfrentar a violência, conforme está posto no PL apresentado pelo atual Executivo, “passa a ser o próprio incentivo à violência”. “A legitimação da violência policial, criando uma licença para matar, e o encarceramento em massa propostos afetarão, principalmente, os setores mais pobres da sociedade, como a juventude negra.”

Ele lembrou que vários parlamentares viram esta realidade de perto durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Homicídios de Jovens Negros e Pobres da Câmara, da qual foi vice-presidente. “A ofensiva punitiva não reduzirá mortes. É evidente que o aumento das prisões não resultará em maior segurança na sociedade. As propostas contrariam números e estudos criminológicos de especialistas e juristas”, enfatizou, ao citar números da última edição do Atlas da Violência no país.

“Atuaremos no Congresso para a construção de uma resposta capaz de efetivamente enfrentar a corrupção e a criminalidade. Mas para isso é preciso o diálogo com segmentos sociais variados, para evitar retrocessos”, avisou.

*Rede Brasil Atual