Paira sobre o país uma nuvem de retrocesso político. A palavra “golpe”, depois de décadas esquecida, volta a figurar nas manchetes. Isso ocorre mesmo após o processo democrático que legitimou o governo da presidenta Dilma, que há apenas seis meses tomou posse para este mandato.

Em desatino por sofrer a quarta derrota consecutiva, as elites econômicas, nacionais e estrangeiras, e os seus partidos, formam um consórcio oposicionista, com o amparo luxuoso da mídia corporativa. Põem uma lupa na crise econômica mundial e tentam atribuir todas, mas todas as 'culpas', ao governo brasileiro.

A pauta é regressiva na política, pois segue a ameaça de pedido de impeachment da Presidenta, golpes e que tais. Regressiva nos direitos, com a aprovação na Câmara do projeto que generaliza as terceirizações. Regressiva nos costumes, com tentativas de imposições nos códigos legais de conceitos religiosos, comportamentais e nos pactos de vivência consolidados como cláusulas pétreas da nossa Constituição. Este é o caso da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal.

Na compreensão de dezenas de especialistas, para milhares de militantes, entre os quais me incluo, NÃO HÁ QUALQUER MÉRITO NA PEC 171/93. Bem ao contrário, os dados revelam que a redução da maioridade penal representaria um verdadeiro retrocesso quanto aos direitos adquiridos com a aprovação do ECA.

A violência é uma realidade a ser enfrentada nesta sociedade de 'massas', elevada a uma potência desesperadora pelo flagelo do tráfico de drogas e do crime organizado. Os crimes hediondos nos aterrorizam. As famílias destroçadas merecem apoio, solidariedade e busca por justiça. Porém, a mudança de um código legal não pode ser movida pelo sentimento de vingança. O Parlamento não pode se transformar em um colegiado de justiceiros.

O debate racional, com base em dados científicos e da realidade concreta, deve balizar a decisão a ser tomada pelo Congresso. E neste terreno, os dados desmentem os argumentos dos que querem reduzir a maioridade penal.

O jovem brasileiro, especialmente negro e pobre, é antes de tudo vítima a ilustrar os mapas da violência que apontam que, das 56.337 pessoas vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens de 15 a 29 anos e, desse total, 23.160(77%) eram negros. Números da Unicef comprovam que, dos 21 milhões de adolescentes que vivem hoje no Brasil, apenas 0,013% cometeu um ato com a intenção de tirar a vida a outra pessoa. Por outro lado, os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 por dia!

De acordo com números do Ministério da Justiça, a reincidência nas penitenciárias para adultos é de 70% a 85%, enquanto no sistema socioeducativo é de 43%.

É absolutamente falso o argumento de que jovens infratores ficam impunes. O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, a partir dos 12 anos.

A juventude brasileira não precisa de mais cadeia. Precisa de mais escola, mais emprego, mais saúde, mais oportunidade. Cumprir o ECA e até especializá-lo é primordial para evitarmos o cometimento do erro da redução da maioridade penal, que já está sendo revogado em muitos países que o adotaram, a exemplo da Alemanha.

A injustiça social tem sentenciado por séculos, com abandono e a falta de oportunidades, os pobres, as mulheres, os negros no Brasil. Não permitamos que uma maioria parlamentar momentânea, forjada pelo financiamento privado indutor desta pauta regressiva, violenta e fundamentalista, apague lampejos de esperança destes jovens.


Alice Portugal é deputada federal pelo PCdoB da Bahia.