A Medida Provisória, conhecida como “MP do Bem”, acaba de ter um Projeto de Lei de Conversão aprovado pela Câmara e vai ser apreciada agora pelo Senado. A matéria em via de ser tornar lei abrange um grande conjunto de medidas – tanto tributários como de financiamento – tendo como objetivo principal incentivar a produção doméstica de bens de capital e o investimento industrial.

Em vigor desde junho passado, a MP cria incentivos fiscais para incrementar as exportações e estimula o acesso à informática, desonera empresas de tecnologia e as que se instalarem nas regiões de atuação das agências de desenvolvimento do Nordeste (ADENE) e da Amazônia (ADA). Essa iniciativa do governo Lula é a maior ação de política tributária em apoio à indústria brasileira desde a década de oitenta. Infelizmente os incentivos se destinam diretamente à exportação, nada fazendo pela indústria cuja produção é orientada para o mercado nacional.

A Medida Provisória favorece ainda a classe média ao isentar de Imposto de Renda o ganho de capital de pessoas físicas com a alienação de bens cujo valor não exceda R$ 35 mil, exceto no caso de ações negociadas no mercado de balcão, hipótese em que o limite será de R$ 20 mil. Quem vender um imóvel e comprar outro no máximo em seis meses também não será tributado, mesmo se houver ganho de capital. Pela legislação atual, sobre essa diferença incide Imposto de Renda à alíquota de 15%.

O problema do investimento na economia brasileira

O crescimento da economia guarda forte vínculo com a acumulação de capital. A expansão do estoque de capital fixo, ao ampliar a capacidade produtiva do país, permite aumentar seu potencial de expansão, reduzindo o risco de inflação decorrente de pressões de demanda. Adicionalmente, a literatura econômica tem constatado que investimentos em máquinas e equipamentos vêm desempenhando função destacada no crescimento econômico dos países. Por trás dessa interação está o argumento de que existe um processo de aprendizagem associado às inversões em maquinaria.

Infelizmente a história recente da economia brasileira mostra uma situação desfavorável ao investimento e, portanto, ao crescimento de mais longo prazo. Desde os anos noventa, mesmo nos anos em que houve uma maior formação bruta de capital,  como em 1997, 1998 e 2004, os investimentos ainda ficaram abaixo do registrado na década de oitenta.

A taxa de investimento em capital fixo, que alcançou 18,1% do PIB no período de 1999-2004, é a mais baixa desde os anos quarenta (exceto os anos 1961-63, tempo de grande crise). Essa taxa está em queda desde 1982 quando da crise da dívida externa.

Pela relevância de uma retomada ascendente para a taxa de investimento, em especial para a formação bruta de capital na indústria, destacando-se as inversões em máquinas e equipamentos, o governo Lula adotou uma política específica para a atividade industrial, associando-a também à iniciativa de expandir o comércio externo, denominada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). O PITCE trouxe consigo a expectativa em torno de medidas conducentes à ampliação da base produtiva no País, apesar da política macroeconômica contracionista, tendo como opções estratégicas os setores de software, semicondutores, fármacos e medicamentos e justamente bens de capital.

É no escopo dessa Política Industrial que se insere a iniciativa de edição desta Medida Provisória, a “MP do Bem”, embora suas disposições não se restrinjam à indústria de bens de capital e aquisição de máquinas e equipamentos.

Os principais pontos aprovados na “MP do Bem”

Listamos a seguir os principais pontos tributários aprovados no Projeto de Lei de Conversão da  Medida Provisória.

1. Incentivos às exportações de softwares e tecnologia de informação

Foi instituído o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes). São beneficiários deste regime fabricantes nacionais de software e prestadores de serviços de informática que assumam o compromisso de manter pelo menos 80% de sua receita bruta provenientes de exportações. Essas emprestas deverão estar em dia com suas obrigações fiscais e não podem ser optantes do Sistema SIMPLES. As empresas participantes do Repes poderão importar produtos a serem utilizados no desenvolvimento de softwares, sem incidência da contribuição do PIS e da Confins.

2. Incentivo à aquisição de bens de capitais para exportadores

Outro regime tributário especial, o Recap (Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras) (Recap), também previsto na Medida Provisória, cria iguais incentivos do Repes para as empresas que tiverem 80% de sua receita bruta apurada em exportações no ano anterior à adesão ao regime e que assumam compromisso de no mínimo manter esse nível de exportações por dois anos. Elas também poderão importar máquinas a serem utilizados na produção de bens exportados, sem incidência da contribuição do PIS e da Confins.

3. Incentivos à inovação tecnológica

As empresas que investirem em inovação tecnológica terão benefícios na apuração dos impostos devidos ao governo federal. As despesas com pesquisa científica e os demais gastos com novas invenções, inclusive os gastos com bens intangíveis, como programas de computador, poderão ser deduzidos da base de cálculo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

Os equipamentos, máquinas e aparelhos adquiridos para pesquisas terão redução de 50% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A taxa de depreciação desses bens, que implica redução do IR, será calculada em dobro.

A partir do início do ano que vem até final de 2008, as empresas também poderão inscrever como crédito 20% do Imposto de Renda retido na fonte gerado por pagamentos a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, de assistência técnica ou científica e de serviços especializados, previstos em contratos de transferência de tecnologia nos termos da legislação vigente. Após janeiro de 2009 até dezembro de 2013, o percentual do crédito será de 10% do IR retido. Outro benefício é alíquota zero do IR incidente sobre remessas ao exterior para pagamento de despesas com registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

As empresas que receberem esses incentivos deverão prestar, em meio eletrônico, informações à Receita Federal sobre os programas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação.

4. Incentivo a pesquisadores

A MP ainda abre a possibilidade de que pesquisadores contratados no setor privado tenham metade de sua remuneração paga pela União, por meio de agências de fomento de ciências e tecnologia, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Essa medida, em conjunto com os demais incentivos, pode estancar o processo histórico de “fuga de cérebros” – emigração de mestres e doutores para outros países.

5. Inclusão digital

Os revendedores de computadores no varejo gozarão de alíquota zero do PIS/Cofins incidente sobre a sua receita bruta. O benefício alcança teclados, mouse e monitor, desde que vendidos juntamente com o computador. Os produtos deverão atender as especificações técnicas e restrições no preço, de acordo com regulamento a ser editado pelo governo. O incentivo valerá até dezembro de 2009, mas revendedores optantes do SIMPLES não poderão usufruir dessa isenção.

6. Nordeste e Amazônia

As empresas que se instalarem nas regiões de jurisdição da Adene (ex-Sudene) e da Ada (ex-Sudam) ou que já instaladas ampliarem ou modernizarem suas instalações terão privilégios na apuração da depreciação de máquinas e equipamentos (depreciação acelerada incentivada), reduzindo imposto de renda a pagar. Essas empresas também poderão descontar dos tributos a pagar ao governo federal os créditos do PIS e da Cofins que obtenham na aquisição de máquinas.

Afora os incentivos regionais ao Norte e Nordeste, o PLV também inclui incentivos fiscais também para outros setores como energia elétrica, laticínios, taxistas e jóias e embalagens de frutas para exportação.

Outras matérias aprovadas por emendas

Além das matérias constantes do Projeto de Lei de Conversão, outros pontos foram aprovadas por meio de destaque de emendas, todos contra a orientação do governo, mas com o voto favorável do PCdoB.

A primeira emenda reajusta os limites de enquadramento das microempresas e pequenas empresas no regime do SIMPLES. O atual limite de faturamento anual da microempresa, de 120 mil reais, passou para 240 mil; para a pequena empresa, o limite anual passa dos atuais 1,2 milhão de reais para 2,4 milhões. Esse reajuste propiciará que um grande número de empresa possa entrar (ou reentrar) no SIMPLES pagando bem menos tributos; por outro lado, haverá uma perda de receita para os erários federal, estadual e até municipal.

A segunda emenda reduziu a tributação do PIS sobre as contas de energia elétrica a consumidores residenciais, rurais e a órgãos públicos. Esse benefício pode reduzir em alguns por cento o custo da conta de energia dos beneficiários.

Conclusão

As medidas da “MP do Bem” são positivas e contribuem para reduzir o custo do investimento no Brasil. Elas ampliam a eficiência econômica e estimular o investimento produtivo, criam condições para um crescimento mais acelerado da economia ao longo dos próximos anos, com reflexo positivo sobre a arrecadação tributária no longo prazo.

Porém, se, por um lado, verifica-se um empenho por parte do governo na estruturação de estímulos ao investimento produtivo, por outro, a sinalização macroeconômica tem sido contrária a ele. Os sucessivos aumentos na taxa SELIC desde setembro de 2004 já impactaram para pior as projeções de crescimento da economia brasileira para 2005, e, segundo denotam os dados mais recentes do PIB trimestral divulgados pelo IBGE, já determinaram quedas no investimento real da economia.

Ou seja, apesar dos esforços e da expansão da Formação Bruta de Capital Fixo em 2004, persiste o descasamento entre a PITCE e a condução da política macroeconômica. Assim, apesar da aprovação da Medida Provisória, persiste o desafio de incrementar a taxa de investimento, em especial da inversão em maquinaria.