PCdoB, PT, PSB, PDT, PSOL e Rede lançaram nesta terça-feira (8) uma alternativa à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, que trata da Reforma Tributária. O texto – uma emenda substitutiva global à PEC 45 – resgata temas caros à esquerda, como a taxação das grandes fortunas, dos lucros e dividendos, cobrança de impostos sobre grandes heranças, preservação da renda da classe média e dos trabalhadores, criação de novas faixas no Imposto de Renda para quem ganha mais, entre outros pontos. A ideia é propor uma reforma tributária justa, solidária e sustentável.

Para os partidos da Oposição, apenas a simplificação tributária, como o que está em análise no Parlamento, não é suficiente. Para ser chamada de reforma é preciso uma mudança mais profunda.

“Esta é uma proposta que não se pauta apenas no estudo da economia, mas num profundo estudo da desigualdade social que temos no Brasil. Nos preocupamos em construir uma proposta que pensasse nas diversas políticas públicas que o país tem. Nosso projeto de Reforma Tributária quer, por exemplo, cobrar mais dos muito ricos e aliviar os trabalhadores e quem depende da cesta básica. É uma proposta abrangente e para chegarmos nela conversamos com todas as legendas do Congresso para fazer uma construção com a possibilidade real de negociar sua aprovação”, afirmou a líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Sabemos que têm itens aqui que terão maior polêmica, até porque estamos tributando quem tem. Estamos tributando grandes fortunas, heranças, aqueles que contribuem sempre menos do que aqueles que têm renda inferior. Mas essa proposta é uma construção profunda, estudada, justa, sustentável e solidária. E é pilar fundamental para o desenvolvimento do país”, completou a parlamentar.

O lançamento foi feito no Salão Nobre da Câmara dos Deputados e contou com a participação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do relator da PEC 45, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), dos governadores do Piauí, Wellington Dias (PT), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), além de parlamentares das legendas proponentes do texto.

Para Rodrigo Maia é importante pensar numa reforma “onde se olhe para os interesses coletivos”. Ele criticou o modelo atual, que vem gerando “muitas distorções e o aumento permanente da pobreza e da desigualdade no país”.

“Independente de divergências, é importante que o Congresso esteja debatendo as matérias. É óbvio que o sistema tributário brasileiro é nitidamente injusto. Nós cobramos, na média, 40% de tributação no consumo e na renda, algo na faixa de 30%. É óbvio que estamos tributando menos a renda e o consumo demais. Precisamos olhar para os interesses coletivos e não os individuais. Esse é o problema do Brasil. Se olharmos o sistema tributário, ele atende mais aos interesses individuais do que coletivos. Agradeço a generosa contribuição que faz a esquerda nesse debate”, apontou Maia no evento.

Proposta ataca desigualdade

Coordenador da proposta na Minora, o deputado Afonso Florence (PT-BA) apresentou as linhas gerais do texto defendido pela Oposição. Segundo ele, a ideia é contribuir com o debate da simplificação e permitir a progressividade na tributação de renda e patrimônio. “A progressividade vai aumentar a tributação sobre renda e patrimônio para diminuir a tributação sobre o consumo”, disse. Ele lembrou que, atualmente, lucros e dividendos são desonerados.

O deputado destacou que o valor arrecadado com Imposto Territorial Rural (ITR) de grandes propriedades é “irrisório” e defendeu a tributação das heranças acima de R$ 15 milhões, com possibilidade de doação para saúde e fundações. Além da elevação progressiva do ITR e do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), o projeto prevê o aumento da aplicação de recursos na área de saúde e educação. Também estabelece mecanismos de combate à sonegação, que também privilegia os mais ricos, já que os pobres e a classe média têm a maior parte dos impostos descontados direto na fonte ou no consumo.

Simplificação apenas não basta

O economista Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Unicamp e que esteve junto na coordenação da proposta, foi taxativo ao afirmar que a desigualdade é a questão central do Brasil e que a desigualdade de renda é apenas uma de suas faces. Para ele, simplificar a tributação apenas não basta. É preciso ir além.

Fagnani citou dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para mostrar que a tributação no Brasil tem efeito regressivo na distribuição de renda. Enquanto a média de tributos sobre patrimônio e renda dos países da OCDE é de 39,6%, no Brasil é de 22,7%. Por outro lado, os impostos sobre o consumo respondem por 32,4% na OCDE e 49,7% no Brasil.

“Nós estamos na contramão do mundo. Nós somos campeões em tributações sobre consumo. Isso atinge os pobres, pois os pobres consomem e pagam mais impostos. Nos EUA, por exemplo, a tributação sobre consumo é 18% do total e sobre a renda 40%. É preciso simplificar sim, mas não adianta só isso. Não basta fazer no Brasil uma reforma tributária sobre consumo, como pretendem as duas propostas em análise no Congresso. Temos que reduzir a tributação sobre consumo e ampliar a tributação sobre renda e patrimônio”, destacou.

Já o professor Guilherme Santos Melo, também do Instituto de Economia da Unicamp, afirmou que o país não pode perder a oportunidade de reestruturar, de fato, o sistema tributário.

“Se ficarmos só no debate de um tema, como a simplificação, estaremos perdendo uma enorme oportunidade de discutir outros fatores, inclusive, mantendo disparidades que são inaceitáveis, como a distorção de cobrança de impostos sobre consumo em detrimento da renda”, apontou.

Ele reforçou que a proposta encabeçada pela Oposição foi construída com base em muito debate e estudos e se pretende ampla e solidária. “Propusemos uma reforma do sistema como um todo, tentando garantir que ele seja mais simples, mas também mais justo, mais equânime. Nossa preocupação era promover uma reforma que reorientasse a estrutura tributária brasileira visando o desenvolvimento”, pontuou.

Relator da PEC 45/2019, o deputado Aguinaldo Ribeiro, também afirmou que é preciso simplificar o sistema tributário brasileiro. “Temos uma proposta que nos une: um sistema tributário simples, justo, que tenha progressividade e que seja transparente. Talvez esse seja o maior problema, é tanta regra que não se sabe o quanto se paga de imposto nesse país”, disse.

Ribeiro se comprometeu a debater os temas propostos pela Oposição, mas afirmou que o desafio é grande. “Todos são favoráveis à reforma do sistema tributário, mas cada um tem uma visão de reforma. Fico feliz de estar vendo esse movimento. Esse é o momento de a gente debater. Estamos à disposição e vamos estar juntos construindo”, disse.

Reforma estruturante

Durante o evento, a presidente nacional do PCdoB, a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, afirmou que a Reforma Tributária é das mais estruturantes para o país, pois “é uma ferramenta fundamental para retomarmos o crescimento”. “Precisamos tirar o país desse atoleiro. E parece que isso é um absurdo para este governo, para o ministro da Economia. A lógica tributária brasileira é muito perversa, por isso precisamos enfrentar essa desigualdade. Essa proposta nos traz essa possibilidade de termos uma lógica tributária mais sustentável, justa e humana”, alertou.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) falou em nome da bancada no ato. Para a parlamentar, a natureza do texto “poderá contagiar muitos e quem sabe sair do Parlamento uma reforma tributária solidária”.

Ampla articulação

O governador do Maranhão, Flávio Dino, afirmou a necessidade da construção do diálogo para ampliar a repercussão e força da proposta. Para ele, a emenda substitutiva global mostra que é possível sair da crise fiscal sem onerar os mais pobres.

“Estamos vivendo um ciclo em que o discurso hegemônico parece indicar que a crise fiscal só tem uma saída, que é fortalecer o caráter regressivo da distribuição de renda no Brasil. Assim se justificou o Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência. Essa proposta nos mostra outro cenário. Mas nossa capacidade de ampliar a sustentação dessa proposta é essencial. É vital que consigamos universalizar o conhecimento sobre essa proposta para que ela não seja uma proposta apenas da esquerda. Temos que ter amplitude”, afirmou.