Após várias rodadas de negociações, Governo e entidades sindicais fecharam um acordo que envolve mudanças nas regras de aposentadorias, em especial quanto a situações em que não será aplicado o fator previdenciário, a manutenção em longo prazo de uma política de reajustes reais para o salário mínimo e, pelos próximos dois anos, a concessão de reajustes acima da inflação para os aposentados, pensionistas e demais segurados do INSS.


O acordo anunciado na última quarta-feira, 19 de agosto, foi firmado pelo Ministério da Previdência Social, representando o Poder Executivo, e pelos trabalhadores a CUT, Força Sindical e CGTB, tendo a CTB e a Nova Central recusado apoio à iniciativa.


Em parte, foram atendidos dois importantes itens da pauta dos trabalhadores: o fator previdenciário e os reajustes dos aposentados.


O fator previdenciário


O fator previdenciário foi criado em 1999, pelo governo FHC, diante da derrota da sua proposta de exigir a idade mínima para a concessão da aposentadoria. Com a Lei n.º 9.876/1999, os benefícios previdenciários passaram a ser calculados por um procedimento composto de duas etapas: primeiro, é feita uma média com 80% das maiores contribuições do segurado verificadas a partir de junho de 1994; segundo, para a aposentadoria por tempo de contribuição, sobre o valor dessa média é aplicada o fator previdenciário.


Para um trabalhador com 35 anos de contribuição, ou uma trabalhadora com 30 anos de contribuição, a aplicação do fator irá diminuir o valor da aposentadoria sempre que a idade for inferior a 63 anos de idade. As perdas são maiores para as trabalhadoras, professores de ensino fundamental e para aqueles que contam tempo especial para aposentadoria, pois completam o tempo mínimo de contribuição exigido com menor idade. Para fugir dessa perda, o segurado tem que adiar o pedido da sua aposentadoria e continuar trabalhando. Mas, nem sempre isto é possível. Em idade avançada, sem o vigor físico, com debilidades na saúde, é muito difícil para a imensa maioria permanecer ocupado no mercado formal de trabalho. Daí o grande apelo para a extinção do fator.


O acordo não acaba com o fator, mas estabelece situações em que ele não será aplicado, baseado na soma da idade e do tempo de contribuição. Para o trabalhador, não será aplicado o fator se a soma da sua idade e do seu tempo de contribuição for igual ou superior a 95. Essa soma cai para 90, nos casos de professor de ensino fundamental ou se teve parte da sua vida laboral sujeita a condições prejudiciais à saúde. Para a trabalhadora, essa soma será de 85, para as situações normais ou 80, no caso de professora de ensino fundamental ou se trabalhou sob condições especiais.


A Tabela a seguir exemplifica a aplicação do acordo. Em várias situações, dependendo da sua idade, ao completar o tempo de contribuição, o trabalhador já se vê livre das perdas do fator. Em outras, terá que retardar o pedido, continuando a trabalhar, mas o tempo necessário para fugir das perdas do fator é muito menor. Os ganhos serão maiores exatamente nas situações em que o fator causava as maiores perdas.



















































































Situação


Idade


Tempo de Contribuição


Perdas com o fator


Acordo: Soma idade e tempo de contribuição para eliminar o fator


Tempo que falta para zerar as perdas


Com o fator


Com o acordo


Trabalhador


53


35


32%


95


6 anos


3,5 anos


55


35


26%


5 anos


2,5 anos


59


36


11%


2 anos


zero


60


35


10%


2 anos


zero


Trabalhadora


53


30


32%


85


6 anos


1,0 ano


55


30


26%


5 anos


zero


Professor de ensino fundamental


53


30


32%


90


6 anos


3,5 anos


57


33


13%


4 anos


zero


Professora de ensino fundamental


50


25


48%


80


10 anos


2,5 anos


54


26


38%


7 anos


zero


Mesmo para aqueles trabalhadores que não conseguirem postergar o pedido da aposentadoria por tempo de contribuição haverá ganhos. Com relação ao cálculo dos benefícios, inclusive das aposentadorias, hoje é utilizada uma média das 80% maiores contribuições a partir de julho de 1994, com seus valores corrigidos pelo INPC. Com o acordo serão ponderadas as 70% maiores. Hoje podem-se desprezar as 20% menores. Com o acordo, serão 30%, o que aumentará a média e, portanto, os valores dos benefícios.


Outro ponto importante do acordo é a contagem para fim de aposentadoria do tempo em que o trabalhador ou a trabalhadora recebeu salário desemprego ou estejam sob aviso-prévio. Como a rotatividade no mercado de trabalho brasileiro é muito alta, os trabalhadores em média acumulam vários períodos de seguro desemprego e aviso prévio que antes não contavam para a aposentadoria. Além disso, foi acordada a garantia de emprego nos 12 meses que antecedem a aposentadoria, facilitando a vida daqueles em fase final para alcançar o tempo de contribuição.


A manutenção da política de valorização do Salário Mínimo


Ficou acertado que o salário mínimo continuará a receber aumentos reais, acima da inflação, de acordo com o crescimento do PIB de dois anos anteriores. Essa regra já estava em vigor até 2011 e será estendida até 2023. É essa regra em vigor que permitirá que o salário mínimo previsto para janeiro de 2010 seja fixado em R$ 505,90, representando um acréscimo nominal de 8,8% e um real estimado em 4,3%. O reajuste real dos últimos anos, implementado pelo Governo Lula foi uma política importante para a melhoria das condições de vida do trabalhador beneficiando inclusive aqueles que recebem os menores benefícios previdenciários, seguro desemprego, abono salarial e os benefícios concedidos pela Lei Orgânica da Assistência Social para idosos e família com portadores de deficiência. O acordo garante a vigência dessa mesma política por mais 14 anos, até 2023, que a um ritmo médio anual do PIB de apenas 3%, garantirá um crescimento real de mais de 50%.


O reajuste dos aposentados


Ficou também acordado que nos exercícios de 2010 e 2011 todos os aposentados terão reajustes reais, acima da inflação. Hoje não há essa garantia para aqueles que recebem mais de um salário mínimo. Pelo acordo, nos próximos dois anos fica assegurada, além da correção pelo INPC, um acréscimo igual a metade do percentual de elevação real do PIB registrado no antepenúltimo ano (em 2010, será o de 2008; em 2011, o de 2009). O que fará com que o reajuste real de 2010 seja de 2,53%. Já o de 2011, mantida a tendência do PIB de 2009, será praticamente nulo, isso vai ser difícil aceitação para os aposentados.


Em compensação, o acordo prevê a criação de uma “Mesa Permanente de Negociação”, composta pelas entidades dos trabalhadores, dos aposentados e o Governo Federal, uma garantia de que os aposentados terão garantido um canal de comunicação direta com o Poder Executivo, permanentemente. O que constitui um importante e inestimável instrumento para a deliberação de políticas mais duradouras de valorização dos aposentados e idosos.


A concessão de reajustes reais para as aposentadorias é um fator importante de resgate da previdência pública. A correção desses benefícios está limitado hoje pelo piso do salário mínimo, e o teto fixado em reais e sujeito a correção anual pelo INPC, o mesmo índice mínimo de correção estabelecido para todos os benefícios. Esses limites máximos e mínimos são fixados na Constituição.


O fato de haver reajuste reais contínuos do valor do piso dos reajustes, no entanto, vem criando uma percepção para os aposentados que seus benefícios, embora corrigidos pela inflação, estão sendo achatados em relação ao número de salários mínimos que representavam quando da concessão. O próprio teto dos benefícios, quando fixado em 2003, equivalia a 10 salários mínimos, atualmente vale 7,3. Embora economicamente não tenha havido perdas, existe um sentimento arraigado entre os aposentados de perda de status na hierarquia salarial, já que o valor do salário mínimo serve de parâmetro para fixação das faixas salariais acima dele, especialmente para os valores que lhe são mais próximos. Essa insatisfação, por enquanto é quase impossível de resolver, tendo em vista seus custos e a capacidade da Previdência de suportá-los, mantida o atual esquema de seu financiamento.


Embora o mecanismo previsto para os reajustes reais ainda seja insatisfatório, ele constitui, juntamente com a criação da mesa permanente de negociação um importante começo para atender mais adequadamente as demandas dos aposentados. Demandas que interessam não só a eles, mas também a todos os segurados que, afinal, estarão aposentados no futuro. Duas importantes contribuições poderiam ser dadas pela Bancada para melhorar essa parte do acordo, como veremos na seção seguinte.


Para avançar ainda mais


A bancada do PCdoB discutiu a importância de avançar ainda mais na política de valorização do salário mínimo e das aposentadorias. Duas importantes contribuições a serem dadas seria a extensão da correção real também para o teto dos benefícios e a fixação de um percentual mínimo de valorização real independente do crescimento real do PIB. Nesse sentido, sugerimos incluir no mecanismo do reajuste real anual a garantia de um patamar mínimo de 2%, por exemplo, estendendo tal mecanismo de reajuste também para o teto do salário de contribuição. Esse patamar mínimo de correção real também tem uma fundamentação econômica, pois exatamente quando o país se encontra em recessão ou em crescimento econômico reduzido, torna-se necessário adotar medidas que reforcem a capacidade de consumo das famílias, realimentando a demanda pela produção de bens e serviços, um importante indutor do emprego.


É importante salientar que a extinção do fator previdenciário não pode estar vinculada com a introdução de idade mínima para a aposentadoria, pois essa troca resultará em maiores perdas para os trabalhadores. O requisito de idade mínima piora ainda mais a situação dos mais pobres e menos qualificados, cuja vida laboral e consequente capacidade contributiva terminam mais cedo. Com o fator, o trabalhador em idade avançada ainda tem a opção da aposentadoria se perde o emprego e não consegue outra colocação. Se há idade mínima, o trabalhador fica simplesmente impedido de se aposentar, sem capacidade contributiva e sem condições dignas de sobrevivência. Ocorre que substituir o fator pela imposição de idade mínima se enquadra perfeitamente dentro dos atuais parâmetros de restrição dos encargos sociais do Estado e encontra adeptos até mesmo dentro no chamado campo progressista. Um bom exemplo disso é a Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2008, em tramitação no Senado, que determina a idade como requisito para a aposentadoria, de autoria do Senador Paulo Paim, o mesmo autor do projeto que acaba com o fator previdenciário.


Em conclusão, apesar do acordo não ter alcançado o conjunto das demandas dos trabalhadores ativos e aposentados, pode-se considerá-lo um avanço razoável frente as regras atuais em todas as matérias abrangidas. O acordo, em todos os seus pontos, representa melhorias sensíveis no valor futuro do salário mínimo, na melhora das regras discriminatórias de concessão de aposentadorias para homens e mulheres e também, em menor grau, na melhora do nível real dos benefícios de aposentadorias e pensões.


Essa conquista inicial pode avançar ainda mais se for possível estabelecer o patamar mínimo de 2% para o reajuste real anual de todos os benefícios, incluindo também nessa valorização o maior salário de contribuição, que serve de teto ao valor de todos os benefícios previdenciários.

Notas:
(i) Na faixa etária de 50 a 64 anos, 64,5% da população brasileira (aproximadamente 2 em cada três), têm diagnóstico médico de ser portador de uma ou mais doenças crônicas, sendo que em 36% há duas ou mais doenças. Dados do IBGE, “Acesso e Utilização de Serviços de Saúde”, 2003.
(ii) A nota divulgada pelo Ministério da Previdência não esclarece como e em que situações essa regra será aplicada para os trabalhadores e trabalhadoras que estiveram submetidas a condições especiais prejudiciais à saúde.