O reconhecimento dos arranjos familiares que existem na sociedade brasileira foi alvo de fake news esta semana e gerou grande polêmica na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 3369/2015, batizado de Estatuto das Famílias do Século XXI, apresentado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ganhou destaque esta semana após deputados do PSL e, posteriormente, parlamentares da bancada fundamentalista, disseminarem a informação de que o texto normalizaria o incesto, a poligamia e a pedofilia.

O projeto seria votado na quarta-feira (21) na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), mas depois do avanço da fake news envolvendo a matéria, o relator, deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE), solicitou sua retirada de pauta para aperfeiçoar o texto. O que parecia ter sido equacionado, no entanto, voltou à tona na reunião ordinária da CDHM desta quarta-feira.

Parlamentares da bancada fundamentalista e da base de Bolsonaro se articularam para fazer da Comissão de Direitos Humanos e Minorias palco para ataques ao projeto. O ponto chave das manifestações foi uma nota divulgada pelo presidente da comissão, deputado Helder Salomão (PT-ES), na terça-feira (20), onde o parlamentar afirma que “o projeto tem sido objeto, nas redes digitais, de interpretações distorcidas”, como justificativa para a sua retirada da pauta. O trecho foi criticado por parlamentares contrários ao projeto, que pediram sua retirada da nota. Como Helder não retirou, o tema voltou à tona no colegiado, impedindo as deliberações do dia.

O deputado Orlando Silva, que desde de terça-feira, vem repudiando as distorções ao seu projeto, reiterou sua defesa da proposta, abrindo espaço, no entanto, para o diálogo e aprimoramento do texto.

“Quando da apresentação do projeto havia um debate nessa Casa sobre quais formas de família o Estado deveria reconhecer. No meu ponto de vista, devemos reconhecer arranjos familiares que correspondem à realidade social do Brasil. Respeito quem não reconhece a união homoafetiva, mas eu defendo. E lamento que a Câmara dos Deputados não sustente a lei e tenhamos que nos subordinar à decisão do Supremo, judicializando a política. O projeto tem sim o interesse de afirmar a união homoafetiva. E para mim isso é uma família civilizada e amor é um valor cristão. O que eu não aceito é uma pessoa imaginar que se defende incesto. É bestial alguém imaginar que seria proposto a legalização do incesto. Até porque o incesto está vedado no Código Civil, no seu artigo 1521. Além disso, é um tabu secular de todas as civilizações”, afirmou o parlamentar.

Para ele, a tentativa de fazer crer em legalização do incesto “é uma forçação de barra de quem quer criar um factoide e barrar uma determinada perspectiva”. Orlando Silva lembrou que, de acordo com o funcionamento da Casa, quando se quer alterar trechos de uma matéria em discussão, os parlamentares costumam buscar diálogo, apresentar emendas ou substitutivos à matéria em discussão, o que não ocorreu neste caso. “Dizer que o projeto propõe poliamor, incesto, legalizar suruba, uma expressão chula, é mentira. Todos aqui já vivenciaram emendas de redação, substitutivos. Mas não se viu isso. Ninguém me procurou. Eu seria capaz de discutir com qualquer um, como falei com o deputado Otoni de Paula, que me atacou de um jeito inimaginável no Plenário. Sentamos e conversamos, pois acredito na política e não se faz política sem diálogo. Mas independente disso, sempre defenderei o amor como base dos arranjos familiares”, disse Orlando.

Para o deputado Túlio Gadêlha é importante o aprimoramento da matéria para que o texto não volte a emperrar na Câmara. O projeto, que já foi relatado pelos ex-deputados Jean Willys (Psol-RJ) e Janete Capiberibe (PSB-AP), já chegou até a ser arquivado na Casa devido a outros questionamentos dos deputados. Apesar disso, o parlamentar defende o “reconhecimento formal de toda e qualquer forma digna e amorosa de reunião familiar”, lembrando ainda que “como parte dos esforços para eliminar a discriminação, a ONU declara que é importante assegurar que outros arranjos familiares – unipessoal, casal com filhos, casal sem filhos, mulher/homem sem cônjuge e com filhos, casais homoafetivos com ou sem filhos -, além do formado por casal heteroafetivo, também sejam igualmente protegidos”.

Ainda não há data para o texto voltar à pauta da comissão.