“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”. O ano era 1989, e a Imperatriz Leopoldinense empolgava o povo pedindo liberdade e igualdade. Estávamos em festa com a democracia! Esfuziantes com as conquistas cidadãs, com a definição do papel do Estado, tudo impresso na Carta Magna. Tínhamos vivido a redemocratização quatro anos antes, e a Constituição engatinhava no seu primeiro ano de existência.

Os ventos mudaram. O autoritarismo constante do atual presidente, Jair Bolsonaro, é um balão de ensaio para a mudança do regime e a morte desta jovem democracia, outrora festejada. É o filho que cospe o AI-5 e zomba do STF. É o ministro da Economia que naturaliza o fechamento do Parlamento, o cerceamento de direitos e a agressão à imprensa.

Este é um governo que despreza o Estado democrático de Direito e nos assombra com discursos e ações que pensávamos sepultados junto com a ditadura militar. É uma escalada gradual de esgarçamento do tecido democrático que nega direitos, conquistas e vitórias do campo mais avançado e popular. O direito de existir, de protestar, de criar, de se expressar, de sonhar.

Essa escalada já começou. Da ideia de criminalizar movimentos sociais ao desrespeito à laicidade do Estado, de censurar e asfixiar financeiramente a cultura, chegando à desfaçatez de impor a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) com excludente de ilicitude. O ministro Sergio Moro (Justiça), patego contumaz, só reforça seu desconhecimento do que ocorre em vielas, travessas e becos nas periferias e favelas ao sustentar essa tese genocida.

Soma-se a isso a perseguição à imprensa como reação ao jornalismo profissional e à mídia independente, estes que devem fiscalizá-lo e levar reflexão à sociedade, independentemente de sua linha editorial. E vão além: expõem repórteres nas redes sociais e acionam uma milícia digital para atacá-los e humilhá-los. Criam um ambiente de hostilidade e medo, negando a liberdade de imprensa desses profissionais e o direito constitucional à informação.

A própria Folha foi alvo da covardia de Bolsonaro. Ao tentar negar sua participação em licitação da Presidência, contaminou o processo com seu DNA autoritário. Como já divulgado por este jornal, este governante desconhece os valores da moralidade e impessoalidade que regem o cargo de chefe de Estado. E antes mesmo de Bolsonaro recuar da decisão, o que ocorreu somente por agora, eu e outros dirigentes do PCdoB chegamos a entrar com ação popular na Justiça Federal de Brasília para impedir tal ilegalidade. É o que os defensores da democracia, mesmo com divergências, devem fazer.

O caldeirão censor do governo Bolsonaro ainda se remete aos inaceitáveis xingamentos de baixíssimo nível de Roberto Alvim contra artistas da dimensão de Fernanda Montenegro. Sustenta a negação do racismo através da intenção de nomear um racista para presidir a Fundação Palmares. Viola liberdades individuais e coletivas com declarações da ministra Damares Alves e outros que pretendem impor suas visões ultrapassadas e moralistas nas ações de suas pastas. Acabam com as políticas de ciência, colocam o desenvolvimento soberano em último plano, asfixiam as universidades, e a gestão do MEC é um fracasso.

Este texto é um chamado contra essa escalada. Um clamor a todas e todos para unirem-se contra um governo violento, mesquinho e de ethos fascista. O Brasil é maior que Bolsonaro e sua fantasia de déspota. Não se pode permitir que ele ataque a história, o passado e nuble o futuro de milhões de pessoas.

Que todas as forças progressistas e comprometidas com a democracia deem as mãos contra isso. E não depois, agora! Para que não tarde! Que sejamos firmes e esperançosos. “Vem ver, vem reviver comigo amor / Nesta pátria, mãe querida”. Viva a democracia! Viva a liberdade!

*Deputada federal (PCdoB-RJ) e líder da Minoria na Câmara dos Deputados. Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo