As mulheres que se posicionam contra a censura nas salas de aula têm sido interrompidas e impedidas de falar durante a comissão especial que debate, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei conhecido como "Escola Sem Partido". A tentativa de restringir vozes dissonantes é evidente para quem acompanha as sessões do colegiado.

De modo geral, os cortes e interrupções ocorrem durante o pronunciamento das deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Professora Marcivânia (PCdoB-AP), Alice Portugal (PCdoB-BA), Erika Kokay (PT-DF) e Maria do Rosário (PT-RS). Todas contrárias ao projeto. O grupo que defende a pauta é formado, em geral, por homens membros da bancada evangélica e católicos carismáticos, além de apoiadores do futuro presidente Jair Bolsonaro (PSL).

O colegiado tem, ao todo, 30 membros, dos quais 28 homens e duas mulheres entre os titulares, e 26 homens e quatro mulheres no grupo de suplentes – uma proporção de 6,6% e 13,3% de representatividade feminina, respectivamente.

A prática das interrupções atingiu o ápice na última semana, quando, em meio ao calor dos debates, o presidente da comissão Marcos Rogério (DEM-RO) ignorou pedido de questão de ordem solicitado por Jandira Feghali, que atuava como líder da Minoria na Casa e no dia seguinte ignorou e interrompeu reiteradamente os pedidos de fala da deputada Alice Portugal.

A intervenção fez a temperatura do debate subir e provocou intensas reações. Ao relembrar o episódio, Feghali ressalta o preconceito da bancada mais conservadora da Casa com os políticos ligados ao campo da esquerda.

“[O presidente] desconheceu minha questão de ordem e me desrespeitou como líder da Minoria que estava ali. Foi só a expressão mais aguda de como o fundamentalismo de posições é absolutamente preconceituoso. Ele é preconceituoso nas concepções e no procedimento”, critica.

Na sequência da discussão, Marcos Rogério cassou oficialmente a fala da deputada Alice Portugal, que estava inscrita para fazer um pronunciamento na sessão. O presidente da sessão argumentou que já conhecia o posicionamento da parlamentar e que não havia necessidade de manifestação. A deputada disse, então, que ele estaria fazendo avaliação de mérito para impedir o direito regimental de pronunciamento das mulheres.

O regimento interno da Câmara prevê, no artigo 95, a apresentação de questões de ordem, que, pela regra, só podem ser vetadas pelo presidente se o deputado não indicar os motivos do pedido. Na ocasião, Alice Portugal havia manifestado discordância em relação ao rito dos trabalhos na comissão, mas o presidente seguiu em frente. 

“Eu me senti aviltada. Além de uma agressão regimental a um parlamentar, é uma agressão à mulher, porque aos homens que estavam inscritos ele concedeu a palavra. Como ele viu que a minha obstrução é sempre consubstanciada no regimento, ele me tornou foco durante toda a reunião, impedindo que eu falasse”, explica a deputada.

As cinco parlamentares têm trabalhado pela obstrução do PL e do parecer do relator, deputado Flavinho (PSC-SP). Para elas, o "Escola sem Partido" é uma tentativa de impedir a educação moral, sexual e religiosa nas escolas. Para isso, proíbe o uso de expressões como “gênero” e “orientação sexual” e restringe a liberdade dos professores em sala de aula.

Questionado sobre a postura, o deputado Marcos Rogério queixou-se das obstruções feitas pelo grupo de oposição ao PL e disse que cumpre o regimento da Casa. “O trabalho da Oposição é fazer oposição. A questão de ordem não pode servir para obstruir a sessão. Quando você começa a ter o expediente das questões de ordem apenas para ganhar tempo, obviamente que o papel do presidente é presidir a comissão, e não permitir que parlamentares que estejam em obstrução dirijam os trabalhos. Eu respeito os parlamentares, todos, mas não estou aqui pra cumprir papel de oposição”, argumenta.

A votação do projeto, marcada para ser retomada esta semana, foi adiada mais uma vez e a matéria deve ser retomada na próxima semana.