Com pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Universidade de Washington (Estados Unidos), o cientista é um dos idealizadores do curso de Engenharia Aeroespacial da UnB. Na entrevista exclusiva ao Vermelho, o professor Gurgel disse que o Brasil avançou com o projeto do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (Cbers). “Evoluímos com a China na área de satélite para sensoriamento remoto. Um já foi lançado e outro está em fase de lançamento”, disse o cientista, referindo-se ao Cbers-4A.

Ele destacou que a aprovação do acordo na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (21), abre brechas para algumas interpretações que podem dificultar o desenvolvimento do programa espacial brasileiro.  No entanto, ele considerou oportuno o voto em separado dos deputados da oposição ressaltando que o Brasil deve manter sua “autonomia decisória sobre com quem desejará realizar cooperação na área espacial e por consequência realizar atividades no Centro de Lançamento”.

A votação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional contou com o voto separado de Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e Paulo Ramos (PDT-RJ). E outro do PSB assinado por Camilo Capiberibe (AP) e Bira do Pindaré (MA).

Os dispositivos do acordo proíbem lançamento de Alcântara de mísseis balístico em parceria com países que deram apoio a atos terroristas ou que não são signatários do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês). No primeiro caso, as exigências confrontam com a Constituição brasileira e, no segundo, trata-se de uma medida inócua pelo fato do Brasil já ser signatário do MTCR.  O pesquisador considerou que houve um endereçamento à China, uma vez que o país não está na MTCR.

Ele considerou oportuno a deputada Perpétua Almeida ter colocado no voto em separado que o Brasil não será impactado negativamente no seu “programa de satélites desenvolvido conjuntamente com a China, bem como, não aceita restrições que afetem a já positiva parceria com a China em outra área que é a da logística para a internet 5G”.

“Nenhum acordo de salvaguarda poderia limitar. E vou mais além: a parceria com a China deveria ser naturalmente repensada, atualizada, mas nunca extinguida. Nós já sabemos trabalhar com chineses e eles estão se tornando uma potência espacial”, argumentou.

Apesar da parceria com a China estar incerta por causa da mudança de governo, Gurgel diz que o governo deveria olhar para o futuro, pois os chineses possuem programas ambiciosos nessa área. “Os chineses possuem estrutura gigantesca de infraestrutura na área espacial. Eles estão vendo o futuro daqui a 20, 50 e 100 anos, então o Brasil não pode abrir mão dessa parceria”, afirmou.

O professor da UnB defende que o acordo não coloque dificuldades para o Brasil estabelecer parcerias com quem julga importante como a China, Índia e Argentina. No tocante aos portenhos, ele vê com bons olhos uma parceria. “A Argentina está desenvolvendo um veículo lançador. Ela nunca falou nada, mas na parceria pode acelerar o desenvolvimento dela e operar em Alcântara”, defende o cientista para quem há dificuldades daquele país para fazer lançamento em órbitas equatoriais por estar muito ao sul e pouca potência nos foguetes.

Uso dos recursos

Outra medida considerada inócua no acordo é sobre o uso dos recursos financeiros obtidos por intermédio das atividades de lançamento para a aquisição de em mísseis balísticos. Ou seja, como signatário do MTCR, o Brasil está fora dessa possibilidade. O dispositivo, segundo o voto, só visa constranger o lado brasileiro.

O pesquisador chamou o dispositivo de paranoia dos EUA ou preocupação em ter que deixar mais um país sob sua vigilância. Citou como exemplo o míssil SS-18 Satan desenvolvido pela Ucrânia.  “Apelidado de Satanás, ainda é o míssil intercontinental mais poderoso do mundo. Desenvolvimento nos anos 70, ele forma a base central do poder da Rússia ainda hoje”.

Na desativação de parte deles, a Rússia passou a usá-los como lançadores de satélites, inclusive um brasileiro. É que do ponto de vista da tecnologia bastava retirar a ogiva nuclear e substituir por outra carga. A preocupação dos EUA é que o inverso pode ser feito.

Segundo Gurgel, outra questão nesse dispositivo do acordo é que o dinheiro público não é carimbado. “Como os americanos vão seguir os recursos? Eles podem seguir para o caixa do tesouro, dos municípios e do estado. Seria mais fácil seguissem uma conta na agência espacial”, diz.

Questão fundiária

Carlos Gurgel analisa como um drama a situação dos quilombolas e de outros moradores que vivem próximos a Estação de Alcântara. Considerou justo o voto separado ter destacado a necessidade de titulação das terras e a efetivação de políticas públicas voltadas a melhoria da qualidade de vida da população.

Ele diz que todos que vivem no local estão sujeitos a serem vítimas de acidentes por causa dos equipamentos e o armazenamento de combustível de foguete.

“Nossa preocupação, em primeiro lugar, é preservar a vida deles. Nós também estamos poluindo o ambiente? Vamos causar algum dano? Isso tem que ser uma preocupação constante”, adverte.

O professor da UnB acredita que ao menos num primeiro momento a área da estação não precisar ser ampliada. No seu entendimento, o centro de lançamento não desperta o mesmo interesse internacional que teve há 20 anos. Isso por conta de novas tecnologia que permitem a reutilização de veículos lançadores e o lançamento a partir de plataformas nos mares, o que permite operar da linha equatorial.

No caso de Alcântara, próximo a linha do equador, há disponibilidade de oceano para o Norte e Leste. “Você está bem de frente e de lado para o mar. Isso permite que você não fazer seguro para o lançamento, porque todas as peças vão cair no mar”, explicou.

Modelo de negócio

O professor também concordou com uma das conclusões do voto em separado ao afirmar que a exploração comercial do centro de lançamento não é suficiente para garantir o relançamento exitoso do Programa Espacial Brasileiro (PEB).

Ele também concorda que o acordo permite ao país viabilizar negócios com várias nações, uma vez que 80% da tecnologia espacial teria algum componente de fabricação dos EUA.

Porém, defende um maior dinamismo no modelo de negócio a ser gerado. Ele discorda, por exemplo, da existência de apenas uma empresa integrada. “É muito difícil uma empresa ser integradora de satélite e veículos lançadores, porque são duas atividades completamente distintas, a empresa ficaria muito cara”, diz.

O professor defende que a Avibras, empresa brasileira com sede em São José dos Campos (SP) e que atua há 50 anos no setor aeroespacial, cumpriria o papel como integradora na produção de lançadores. Já na parte dos satélites, o engenheiro diz que a Visiona, uma joint-venture entre a Embraer e a Telebras voltada para a integração de sistemas espaciais, seria a ideal para desenvolver a tecnologia. Defendeu que o país entre no mercado de pequenos satélites que, segundo ele, serão a maioria no futuro.

Antes de elaborar um programa específico para o setor, Carlos Gurgel diz que é preciso mapear as necessidades do país em diversos setores para que o início do processo seja versátil.  “Precisamos mapear também as necessidades de países irmãos na Ásia e África com economia parecida com a nossa. As palavras chaves são versatilidade e eficiência para fazermos modelos de negócios, por exemplo, baseados nas startups, coisas rápidas e enxutas”.