Na véspera da conversa, Bolton, um dos assessores de Donald Trump mais afinados com suas ideias de extrema-direita, já sinalizava o alinhamento dos dois governos, classificando a eleição do político brasileiro como uma "oportunidade histórica" para as relações entre Estados Unidos e Brasil.

Sobre o que foi debatido no encontro, Bolsonaro pouco falou. Em sua conta no Twitter, disse apenas que a reunião com o conselheiro dos EUA teria sido “muito producente”. E completou com as presenças dos futuros ministros do seu governo. Ministro da Defesa (General Fernando), Relações Exteriores (Ernesto Araújo) e com o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (General Heleno).

Mesmo falando pouco, Jair Bolsonaro não consegue encobrir seu real propósito de alinhar militarmente o Brasil com os Estados Unidos de Donald Trump na América Latina e servir aos interesses estadunidenses contra países como Cuba, Venezuela e Nicarágua.

No início do mês de novembro, John Bolton criticou abertamente os três países chamando-os de “Troika da Tirania”. Para o representante da Casa Branca estas nações são um “triângulo de terror”, e a causa do “imenso sofrimento humano, motivo de enorme instabilidade regional e a origem de um sórdido berço do comunismo no hemisfério ocidental".

Os interesses comuns de Bolsonaro e Bolton também podem ser observados no empenho do diplomata americano na defesa da indústria bélica. Bolton é ligado ao principal grupo de lobby pró-armas dos EUA, a Associação Nacional do Rifle ((NRA ), onde comandou o Subcomitê de Assuntos Internacionais em 2011. Uma das bandeiras do futuro presidente brasileiro é justamente facilitar a aquisição e o direito ao porte de arma.

Na recepção, o presidente eleito prestou continência para o assessor de Donald Trump. O que gerou inúmeras críticas de autoridades e lideranças políticas brasileiras, que viram um sinal de subserviência do Brasil aos Estados Unidos.

A deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), candidata a vice-presidente da República nas eleições deste ano, lembrou ao ex-capitão e futuro presidente, que decreto que trata da continência é claro ao estipular que tal gesto só é dirigido a superior hierárquico. “Em tese não há superior hierárquico ao Presidente de um país. Em tese não há hierarquia entre nações soberanas”, disse Manuela.

Na equipe do diplomata norte-americano estavam Garrett Marquis (Diretor de Imprensa), Mauricio Claver-Carone (Diretor para Assuntos do Hemisfério Ocidental), David Schneider (Diretor para Assuntos do Brasil) e Bill Popp, encarregado da embaixada norte-americana no Brasil.

Nenhuma das autoridades presentes constam como superiores no Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas, citado por Manuela. A portaria que normatiza o cerimonial da presidência (660/MD, de 19 de maio de 2009) é bastante objetiva ao salientar que "a continência parte sempre do militar de menor precedência hierárquica" (artigo 14, parágrafo 2º).

E mesmo que fosse o caso previsto no artigo 15, inciso de XIV, dedicado as autoridades civis estrangeiras, o cumprimento dependeria de visita do presidente americano, Donald Trump, em caráter oficial. O que não ocorreu, uma vez que a presença de Bolton no Brasil foi cercada de informalidade e conversas secretas. Normalmente autoridades realizam apenas um breve aperto de mão em sinal de respeito e cordialidade.

Primeira autoridade do governo americano a apertar as mãos de Bolsonaro, Bolton escancarou o falso patriotismo do próximo presidente brasileiro. Na Câmara dos Deputados, o líder do PCdoB Orlando Silva disse que “o povo nunca admitirá essa relação de vassalagem entre Brasil e EUA. Um presidente eleito bater continência para funcionário de outro país é vergonhoso”.

Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) afirmou que a atitude de Bolsonaro foi “uma vergonha, uma subserviência inaceitável e inédita!”. Boulos questionou o lema de campanha do presidente eleito: “Brasil acima de tudo?”.