Referência em políticas de combate à fome e incentivo à produção de alimentos saudáveis no país, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) encerrou suas atividades no dia 30 de janeiro, graças às mudanças previstas na Medida Provisória 870 de 2019, editada pelo governo Bolsonaro.

Antes vinculado à Presidência da República, o Consea compunha o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e era o principal espaço de participação da sociedade civil para discussão do tema na esfera federal. A extinção do conselho gerou uma série de críticas e mobilização social, pois a medida tem sido vista como um favorecimento ao agronegócio em detrimento de produções seguras e soberanas de alimento.

“A extinção do Consea é uma afronta à democracia e um retrocesso social, uma vez que desmonta um espaço fundamental para a garantia de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional”, afirmou o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA).

O parlamentar é um dos autores de propostas de modificação do texto no Parlamento. A MP 870, que trata da reorganização administrativa do Estado, recebeu 541 emendas. Entre elas, muitas estão relacionadas à extinção do Consea. Só a bancada comunista apresentou 58 emendas, sendo parte delas relacionadas ao conselho.

As emendas apresentadas pela legenda defendem a recriação do conselho, pois o entende como uma importante conquista da sociedade civil após a redemocratização do Brasil. Durante sua existência, o Consea contribuiu para a definição ou o aprimoramento de políticas públicas para a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil. Exemplos emblemáticos disso são: a Política e o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; os Programas de Convivência com o Semiárido; a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica; o Plano Safra da Agricultura Familiar; o Programa de Aquisição de Alimentos; o Programa Nacional de Alimentação Escolar; o Guia Alimentar da População Brasileira.

“Esse ciclo virtuoso contribuiu para que o Brasil alcançasse reconhecimento internacional nas políticas de combate à fome e promoção da segurança alimentar e nutricional, de modo que, em 2014, não mais figurasse entre os países que compunham o Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU)”, lembrou Jerry.

Para os comunistas, a extinção do Consea fragiliza sobremaneira o funcionamento do Sisan e compromete processos de garantia do direito humano à alimentação adequada em todas as esferas de governo.

“Isto é particularmente preocupante em um cenário de estancamento ou piora de indicadores que apontam a degradação das condições de vida: recrudescimento da mortalidade infantil, interrupção do processo de diminuição da desigualdade de renda e de raça, aumento do desemprego e da pobreza, recrudescimento da violência no campo”, pontuou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) na justificativa de sua emenda.

Para demonstrar o descontentamento da população com a decisão do governo, um banquetaço foi organizado em diversas cidades brasileiras na quarta-feira (27). A ideia é chamar a atenção da sociedade e dos políticos para a importância do Consea, da vontade legítima de participação democrática por parte de cidadãos especialistas dispostos a colaborar com seus conhecimentos no desenho de planos e projetos em prol do direito humano à alimentação adequada nos seus territórios. Para tanto, o banquetaço irá proporcionar um almoço saudável e gratuito a partir das 12h em várias cidades do país.

Para o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), a MP 870 traz um desmonte de todas as estruturas do Estado que se voltam a atender as pessoas mais pobres, a qualidade de vida, o exercício da cidadania, o que vem contribuindo para o aumento do descontentamento da população.

“Todas as manifestações são justas, porque são contra esse modelo que o governo quer implementar no Brasil. Um modelo autoritário, conservador, elitista e de concentração das decisões. A MP acabou com quase tudo o que se aproximava dos interesses do nosso povo. A questão da segurança alimentar, da qualidade na produção de alimentos, no debate com a sociedade para que haja o mínimo de controle sobre produção, comercialização e qualidade de alimentos”, disse.

Segundo ele, junto com as manifestações da sociedade será possível reverter pontos do texto. “Não é fácil prever que teremos condições de derrotar na integralidade. Vamos denunciar o conjunto da obra, mas vamos trabalhar para reduzir danos, recuperar espaços que têm a participação social, que diz respeito à participação social, à garanta de direitos dos trabalhadores. Acabar com o Ministério do Trabalho? O que pode justificar num país com tanta desigualdade, desemprego, com violação de direitos trabalhistas, situações de trabalho análogo à escravidão acabar com o ministério que tem expertise, que tem se dedicado a isso, que tem uma interlocução com a sociedade? Tem um objetivo, uma ideologia por trás disso, que é deixar o trabalhador desprotegido. Mas vamos trabalhar para reverter, pelo menos, parcialmente algumas dessas coisas”, afirmou Almeida.

Tramitação

A proposta ainda precisa passar por uma comissão mista, formada por deputados e senadores, para depois ser analisada separadamente pelos Plenários da Câmara e do Senado. Até agora a comissão já foi formada, mas ainda não foi instalada. Na primeira reunião serão definidos presidente, vice e relator.

Segundo a Constituição, as MPs têm 60 dias de prazo de vigência, sendo prorrogado automaticamente por mais 60 dias, caso não seja votada no prazo inicial. Se não for votada em até 45 dias, contados de sua publicação, entra em regime de urgência, travando as demais deliberações da Casa em que estiver tramitando. No caso da MP 870/19, a pauta será trancada a partir de 21 de março (46º dia).