Há poucos dias, subi e desci rios e igarapés na Serra do Divisor, já na fronteira com o Peru. Vou sempre ao encontro da minha origem amazônida e do povo que represento com identidade. Mas, desta vez, encontrei seringueiros, índios, produtores rurais e ribeirinhos assustados e com medo de que não sobre mata para continuarem suas vidas sustentadas por aquilo que a floresta lhes oferece. Eles precisam botar o roçado a cada verão, mas cuidam para não tirar da natureza nada mais do que precisam.

Enquanto isso, o que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chama de monetização é a mesma força bruta descrita na cantiga de Vital Farias – em outros tempos tão difíceis quanto hoje: “Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar, para o dragão cortar madeira e toda mata derrubar. Se a floresta, meu amigo, tivesse pé pra andar, eu garanto, com o perigo não tinha ficado lá”.

Ouvi dos moradores da floresta que o maior espanto é saber que, agora, as queimadas que puxam incêndios e os “dragões” que levam a madeira têm o incentivo velado do presidente da República. Coisa nunca antes vista.

O desastrado governo de Jair Bolsonaro impõe ao Brasil o maior prejuízo de imagem da nossa história moderna, como reconhece os setores da diplomacia que ainda conseguem escapar ao assédio do filho presidencial que se pretende embaixador. Em poucos dias, perdemos toda nossa “soft power” – a autoridade moral gerada pela imagem de uma nação vista como empenhada em conjugar desenvolvimento e sustentabilidade. Por isso, até nações sem mérito na esfera ambiental apontam o dedo para nós, com ameaças e retaliações concretas.

Nunca a Amazônia havia sido pauta de uma cúpula internacional (neste caso o G7) sem a presença do Brasil. E, pior, tendo a representação de nossos interesses terceirizada para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Não dá para comprar esse entreguismo como nacionalismo.

Ninguém ganha nada com a escalada de sandices de Bolsonaro. Isso ameaça, inclusive e especialmente, o agronegócio, um dos setores mais importantes da nossa economia. Boicotes a produtos brasileiros se esboçam em vários países do mundo. O consumo consciente é uma tendência crescente nos mais diferentes mercados e países, sobretudo nos mais ricos. O presidente Bolsonaro e seu ministro Salles são dois péssimos propagandistas da marca “made in Brazil”. Eles são capazes de matar a galinha dos ovos de ouro para vender canja de nióbio.

É criminoso o desmonte do sistema de controle e proteção ambiental que levou anos para o Brasil estruturar. São cortes nos recursos para pesquisas, monitoramento e fiscalização de desmates e queimadas ilegais. Além disso, o presidente protagoniza uma campanha de descredito e desmoralização dos órgãos de controle e de seus agentes. Todos são alvos dessa maldade: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Os efeitos dessa desconstituição institucional, aliada à defesa de teses grotescas e sem qualquer fundamento científico, reduzem o próprio Ministério do Meio Ambiente a uma piada sem graça.

Sob o comando do presidente Bolsonaro, os desmates e as queimadas, na maioria criminosas, crescem em todos os estados da Amazônia, chegando a 132% de aumento em menos de oito meses. No Acre, o percentual de aumento nas queimadas é de 47%. O governador Gladson Cameli chegou a aconselhar donos de terras a não pagarem eventuais multas por queimadas ilegais, numa espantosa pregação de desobediência civil com aval do Estado. Agora, correndo atrás do prejuízo, decretou Estado de Emergência Ambiental, talvez orientado a se resguardar de futuras cobranças de responsabilidade. Deixaram correr solto o desmatamento predatório e as queimadas não autorizadas, como se isso fosse em benefício da produção.

No entanto, quem mais sofre quando o poder público descumpre as regras de controle ambiental são os pequenos produtores, aqueles que vivem do que a terra lhes dá. Também os que dependem de madeira legal para trabalhar, como é o caso dos polos moveleiros. Nosso Acre está perdendo mecanismos, práticas e conexões nacionais e internacionais que permitiram a captação de recursos e conquistas que chegaram às comunidades florestais, inclusive a remuneração de serviços ambientais. É a velha política que prejudica a população e, nesse caso, prejudica também o meio ambiente, desconstruindo acertos de governos anteriores.

A condescendência com as queimadas e incêndios que devastam a Amazônia embute o mesmo descuido com o futuro do Brasil, que traz o programa de liquidação de empresas nacionais, como a venda da Embraer, o desmonte da Petrobras e a anunciada venda da Eletrobras, entre outras de imprescindível importância para a soberania brasileira. 

Nasci e vivi na floresta. Quando conheci comodidades urbanas, como chuveiro e luz elétrica, eu já passava dos 14 anos. Sei as necessidades do ribeirinho, do seringueiro, do castanheiro, do produtor rural e dos nossos índios. Lá nas cabeceiras dos rios do Acre, o meu povo me ensinou que a Amazônia é brasileira. A defesa das nossas fronteiras é uma ideia presente em toda trajetória que me levou ao Congresso Nacional. Fui presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, trabalhei com nacionalistas de formação consistente e quero crer que estes ainda se manifestarão. As chamas que fazem arder a Amazônia traem a essência do fogo simbólico da Pátria. O Exército expulsa soldados que faltam com o seu juramento – e assim fez com Bolsonaro. Não faz sentido acreditar no pseudonacionalismo do presidente Bolsonaro.

As florestas tropicais são ativos inalienáveis para a vida do planeta. Nos últimos 20 anos, vínhamos consolidando, cada vez mais, a imagem de um Brasil capaz de explorar seus recursos naturais de forma sustentável e não existe possibilidade mais efetiva de afirmar a Amazônia brasileira. Agora, com sua demagogia incendiária, Bolsonaro é responsável pelo ressurgimento da pauta da internacionalização. Está clara a manipulação da doutrina nacionalista, mas a resistência dos povos da floresta será inspiração para todos os brasileiros pela defesa da nossa Amazônia.

Perpétua Almeida é deputada federal e vice-líder da Bancada do PCdoB