Passados dez dias da eleição, o presidente eleito e sua equipe de transição têm dado sucessivas mostras de que o improviso e despreparo que marcaram a campanha projetam-se, perigosamente, nos primeiros sinais do que promete ser o novo governo.

Não se vislumbra, até o momento, um projeto para o país, prioridades delineadas ou programas estruturantes. Alguns dirão que é uma crítica por demais antecipada, mas a situação se torna mais grave à medida que o debate de propostas inexistiu na campanha vencedora.

Até o momento, o que se viu foram ditos e contraditos em temas econômicos, disputas internas por protagonismo na equipe de governo e um espantoso e alarmante desconhecimento sobre política externa e diplomacia – uma política de Estado, que deveria estar preservada das intempéries de governos. Quanto ao presidente eleito, embora este tenha jurado respeito à Constituição, persiste a postura autoritária, como demonstra ao escolher veículos de comunicação para dar entrevistas e ignorar temas que não lhe agradam.

A fusão de ministérios e concentração de poderes – mero ilusionismo marqueteiro de enxugamento da máquina pública – parece ser uma obsessão do futuro governo. A que custo de políticas públicas, ninguém sabe ao certo. O futuro Ministério da Economia, a ser dirigido por Paulo Guedes (vulgo “Posto Ipiranga”), unificará as funções da Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio Exterior. Como a anunciar seu privilégio para os interesses do mercado financeiro nas contradições que a nova pasta deverá arbitrar, Guedes já afirmou que o Mercosul, um dos nossos principais mercados para exportação, não será sua prioridade e que salvará a indústria nacional “apesar dos industriais”.

A pretensão de acabar com o Ministério do Meio Ambiente, submetendo-o à pasta da Agricultura, só não foi adiante por pressão da sociedade e de setores mais dinâmicos do próprio agronegócio, temerosos em perder mercados globais ciosos de salvaguardas ambientais nos processos de produção. Aliás, a indicação da deputada Tereza Cristina para a Agricultura gerou ruídos na base de apoio, com reclamos públicos do líder da UDR contra a escolha.

A obsessão por descontruir chegou ao ápice com o anúncio de extinção do Ministério do Trabalho e Emprego, órgão fundamental que existe há mais de 80 anos, responsável por liderar políticas essenciais para a geração de empregos, arbitrar conflitos entre trabalhadores e empresários, fiscalizar e coibir o trabalho escravo e infantil, entre outras atribuições.

Ainda antes de assumir, o novo governo já protagoniza episódios humilhantes para o Brasil no exterior. No que seria uma cambalhota na história do Itamaraty, a política externa de não ingerência em conflitos foi colocada na berlinda com a estapafúrdia ideia de transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém – uma agressão injustificável aos países árabes. Ato contínuo, o Egito, um de nossos principais parceiros comerciais no mundo árabe, cancelou missão diplomática brasileira ao país.

Afora os impactos políticos que a eventual mudança na linha histórica das relações exteriores pode acarretar, os prejuízos econômicos ao país podem ser enormes. Para ficar em um único exemplo, o Brasil é o maior exportador de carne Halal (método de abate exigido pelos muçulmanos) do mundo e apenas as vendas de frango Halal nos trouxeram U$ 3,2 bilhões em 2017, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal. Por que colocar essas relações em risco?

O presidente eleito Jair Bolsonaro também conseguiu o prodígio de causar melindres na relação brasileira com a China. Ainda como candidato, ele fez questão de visitar a ilha de Taiwan, clara provocação em relação ao contencioso interno do país, e fez declarações desastrosas, como “a China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil”. Trata-se “apenas” da 2ª maior economia do mundo e o maior parceiro econômico do Brasil, destino de 26,7% de nossas exportações em 2018, segundo dados do candidato à extinção Ministério da Indústria e Comércio Exterior.

As relações diplomáticas exigem que o chefe de Estado seja o algodão entre cristais, mas Bolsonaro insiste em se portar como um elefante que invade a loja de cristais. Logo ele, que tanto falava em “desideologizar” a política externa, vai brigar com meio mundo justamente por ideologia? Oras, o Brasil tem uma tradição para lá de centenária de boa diplomacia e cultura da paz, basta que o novo governo não a atrapalhe.

No conjunto da obra, até agora, os primeiros sinais emitidos pela equipe do futuro governo só corroboraram a máxima do Barão de Itararé: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
 

*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB de São Paulo e líder da bancada comunista na Câmara