O Ministério da Saúde vive uma nova novela sob a gestão Jair Bolsonaro. Após amargar, em plena pandemia de Covid-19, a perda de três ministros – Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e, agora, Eduardo Pazuello –, a Pasta acaba de ser recusada pelo nome mais próximo do consenso no governo. Nesta segunda-feira (15), a cardiologista Ludhmila Hajjar disse “não” ao presidente da República e recusou em definitivo o convite para assumir o Ministério da Saúde.

Embora desejasse se tornar ministra, Ludhmila discordava profundamente do rumo negacionista e negligente que Bolsonaro imprimiu no combate à crise sanitária. Em entrevista concedida há uma semana ao jornal Opção, a médica não poupou críticas à política genocida do bolsonarismo.

“É óbvio que o isolamento social tem de ser preservado, todas as pessoas têm de estar aderentes. Agora, se é lockdown ou toque de recolher depende do estado e do município. Mas isolamento social tem de ser para todos”, declarou. Ludhmila também ironizou os seguidores do presidente, que pregam a eficácia, jamais comprovada, da cloroquina.

“Imagine se só o Brasil teria a cura dessa doença! Só os instagrammers, tuiteiros e os youtubers brasileiros saberiam como tratar a fase precoce. Isso é uma vergonha internacionalmente discutida”, afirmou. “Sabemos que cloroquina não funciona há muitos meses, que azitromicina não funciona há muitos meses, que ivermectina não funciona há muitos meses.”

Com a negativa de Ludhmila, Bolsonaro trabalha, por ora, com dois nomes: o cardiologista Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), e o deputado federal Luiz Antonio Teixeira Jr. (PP-RJ), o “Doutor Luizinho”, do Centrão, que preside a comissão especial do Congresso que acompanha a Covid-19. Até o momento, o Ministério da Saúde continua sem rumo.

Repercussão

A resposta de Ludhmila repercutiu no Parlamento. Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), Bolsonaro conseguiu acabar com o que restava de dignidade ao ministro Pazuello ao deixa-lo “sangrando em praça pública”.

“Se a ideia era manter Pazuello arrastando correntes por mais um tempo, Bolsonaro conseguiu, pois este já mostrou que não pode ver uma humilhação que já quer passar. Enquanto isso, vamos nos aproximando de 300 mil mortos com o negacionismo homicida dando as cartas. Lamentável”, disse.

Segundo Silva, “Bolsonaro conseguiu um feito espantoso: desmoralizar o futuro ministro da Saúde, seja ele quem for”. “Dada a dignidade mostrada pela dra. Ludhmila na recusa ao papel de fantoche, quem for nomeado estará assumindo que aceita tal condição. Não terá moral para receitar uma Cibalena”, disse o deputado.

Vice-líder da bancada do PCdoB, a deputada Perpétua Almeida (AC) reiterou que Bolsonaro busca “outro pau-mandado” para o cargo.

CPI

Com mais de 278 mil mortes pela Covid-19 e sem um plano nacional de vacinação, a atuação de Pazuello vem sendo alvo de críticas de todos os lados. Submisso aos desejos de Bolsonaro, o ministro foi o primeiro a se curvar ao negacionismo bolsonarista. Sua atuação já rende pedido de investigação no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).

A troca de Pazuello no momento de agravamento da pandemia no Brasil passa por uma estratégia para conter os ânimos e tentar esvaziar a instalação da CPI da Covid no Congresso, e tirar a pressão da investigação no STF.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), no entanto, a saída de Pazuello do Ministério da Saúde não o isenta de responder pela “inépcia, lentidão de comprar vacinas, e sermos o 2º país em mortes”. “Sabiam que a CPI seria inevitável e tiraram o general de campo. Mas ela deverá existir e investigar as responsabilidades”, cobrou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também cobrou a instalação do colegiado. “A saída de Pazuello confirmaria a quarta troca em um ano [no Ministério da Saúde]. Agora: mesmo que mude o ministro da Saúde, não mudam suas reponsabilidades nem do presidente pelas mortes e crimes já cometidos na pandemia. CPI da saúde, já”, destacou.