O crescente desgaste do governo federal e a falta de uma agenda concreta para enfrentar os problemas reais do país têm feito com que Bolsonaro recrudesça seus pendores autoritários. Em movimento que se retroalimenta, à medida que o sectarismo do presidente se evidencia, produz mais isolamento político e maior repúdio popular à sua figura.

A essa altura do campeonato, já é voz corrente que Bolsonaro renunciou ao papel esperado de um chefe de governo, que é equilibrar suas intenções com os anseios gerais do país. Resta evidente que o presidente governa para os seus e almeja manter apenas um núcleo sólido e mobilizado de apoiadores, dando cada vez mais espaço ao chamado "clã", misto de núcleo familiar e ideológico de sua corrente, na tomada de decisões.

Bolsonaro manietou a influência do ex-super-ministro Sérgio Moro, deixando claro “quem manda” na PF, na Receita e no Coaf, além de submetê-lo a situações de constrangimento explícito. Atacou publicamente figuras políticas que podem rivalizar consigo no campo da direita, como o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck.

Também desautorizou parcelas do núcleo militar, atritando as relações com seu vice e chegando a demitir, após longo processo de fritura, um respeitado general. Por outro lado, chega às raias do ridículo ao impor, contra o pudor e o bom-senso, a indicação de seu filho para a embaixada nos EUA, aniquilando a autoridade do chanceler – se é que ela já existiu – e maculando a história bicentenária do Itamaraty.

Sem falar no embate permanente com a intelectualidade nacional e da política de desmonte da educação, da ciência e dos aparatos de Estado voltados ao planejamento e desenvolvimento nacional, seja via corte de recursos ou pela desqualificação e ingerência administrativa nos mesmos.

Isso tudo em 8 meses. São demonstrações claras de que Bolsonaro não aceita ser tutelado e está disposto a passar por cima de supostos adversários – e mesmo de aliados que lhe façam sombra – e radicalizar a disputa política ao limite da irresponsabilidade.

Mirando em 2022, é provável que seu cálculo político seja manter uma base de apoio de algo entre 20 e 25% dos eleitores, o que, em tese, lhe garantiria uma vaga no segundo turno. Assim, ao apostar numa polarização insana, o presidente na verdade procura prolongar e reeditar o ambiente de ódio político que lhe deu a vitória em 2018.

Há problemas, no entanto, para que seu plano irresponsável se viabilize. O primeiro deles é o Brasil. Ainda que Bolsonaro ignore, mas existe um país com demandas reais, problemas sentidos pelo povo, que ele foi eleito para administrar. Fora das redes sociais, há uma situação de desestruturação do trabalho e de esgarçamento do tecido social jamais vista. Além dos 13 milhões de desempregados catalogados, há uma imensa gama de brasileiros sobrevivendo um dia de cada vez, na completa incerteza de como será o amanhã.

O subemprego se dissemina em larga escala, trazendo novos problemas urbanos. Pesquisa recente, com amostragem na capital paulista, traçou o perfil dos entregadores de aplicativos, aqueles jovens de bicicleta de se espalham pelas cidades – eles trabalham, em média, mais de 9 horas por dia, 7 dias por semana, para ganhar 992 reais, sem nenhum direito trabalhista e expostos aos riscos múltiplos do trânsito. Para o governo, esse jovem não existe, é apenas um dado indesejável a ser desqualificado. Aliás, na visão do bolsonarismo, para manter essa gente nas rédeas sempre haverá a polícia e a milícia.

A questão ambiental na Amazônia, que eclodiu nos últimos dias e criou uma crise internacional de proporções inéditas, tende a se agravar e trazer consequências concretas ao agronegócio via suspensão de contratos e até mesmo eventual paralisação do acordo União Europeia-Mercosul. Basta lembrar que empresas internacionais já suspenderam compras de couro brasileiro e a França de Emmanuel Macron, contra quem Bolsonaro protagonizou desagradável pugilato virtual, foi o país que liderou os investimentos estrangeiros no Brasil no segundo trimestre deste ano. Nesse particular, a agenda do governo brasileiro é predatória e tacanha, o que tem abalado fortemente a imagem do país. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos na Assembleia Geral da ONU e no Sínodo da Amazônia.

Os dados pífios de crescimento econômico, que projetam estagnação para 2019, e os níveis baixíssimos de investimentos públicos previstos pelo governo no projeto de lei orçamentária mostram que a reversão de tal quadro não virá tão cedo e nem por ação da política fiscalista de Paulo Guedes.

Diante de todo o exposto, parece ser bastante arriscada a tática de radicalização de Bolsonaro. Sem boas notícias em nenhuma área, pregar para convertidos tem um limite, como diversas pesquisas – CNT/MDA, XP e Datafolha – atestaram nos últimos dias. A erosão de sua popularidade se espraiou por segmentos e regiões do país, mesmo entre aqueles que nele votaram. A rejeição aos métodos iracundos, aos ataques à educação, ciência e meio ambiente, a inação diante do desemprego avassalador, tudo se somou contra a imagem do governo e do presidente. A continuar assim, embora mantenha a força do cargo, o capitão entrará em seu segundo ano de governo enfraquecido.

Nas hostes da oposição, aos poucos, lampejos de juízo vão despontando. O lançamento do movimento Direitos Já – Fórum Pela Democracia, iniciativa que reuniu lideranças políticas de 16 partidos, da direita à esquerda, líderes religiosos e de movimentos sociais, é um passo em direção à ampliação da frente que, independentemente dos projetos legítimos de cada força e sem prejuízo de outras articulações políticas, tem a tarefa histórica de deter a escalada autoritária, derrotar o arbítrio e consolidar o Estado democrático de direito.

Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP.