Ao completar míseros dois meses o governo de Jair Bolsonaro é uma usina infindável de crises, produzidas por ele próprio, por seus filhos ou pelo núcleo de ministros identificados com o chamado clã Bolsonaro – facção do poder e de apoiadores ligados por uma crendice pré-iluminista que chamam de ideologia.

Ocorre que são tantas e tão diversas as crises, numa profusão estonteante, que já há quem pergunte se não há método nessa loucura. Explico: enquanto o presidente e seu clã escandalizam o mundo com seu flagrante despreparo e mobilizam o exército do obscurantismo, com a mão do gato a área econômica do governo vai impondo um pacote sujo antitrabalhador e antissindical.

No último dia 1º de março, às vésperas do Carnaval e enquanto o Brasil esconjurava a mensagem desumana de Eduardo Bolsonaro sobre a morte do neto de Lula, era editada a MP/873, que ataca frontalmente a liberdade de associação e o financiamento do movimento sindical. Publicada à sorrelfa, a medida altera drasticamente os mecanismos atuais de cobrança das contribuições individuais e coletivas, chegando ao cúmulo de instituir a obrigatoriedade de pagamento por boleto bancário.

A “novidade” vem para completar o estrangulamento financeiro do movimento promovido por Michel Temer na malsinada reforma trabalhista, quando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi esquartejada atendendo a sanha do capital em detrimento do trabalho.

Na Quarta-Feira de Cinzas o assunto mais comentado em todos os botecos e vielas do país foi a escandalosa e escatológica postagem feita pelo presidente em suas redes, levando ao mundo uma mensagem depreciativa do Carnaval brasileiro.

No entanto, passou quase despercebido que o governo, na figura de Rogério Marinho, aquele que relatou a reforma trabalhista, informou que planeja enviar ao Congresso uma Emenda Constitucional acabando com a unicidade do movimento sindical na base, modelo que o estrutura historicamente. Tal medida representaria a pulverização da representação dos trabalhadores em uma miríade de micro sindicatos, sem força real na base, legitimidade e autonomia para negociar à vera com patrões e entidades patronais os interesses de cada categoria.

O governo faz essa ofensiva visando enfraquecer e dividir o movimento justamente quando os sindicatos e as centrais se preparam e buscam a unidade para enfrentar o ataque maior aos direitos: a inclassificável Reforma da Previdência enviada por Bolsonaro ao Congresso. Aliás, “reforma” tão draconiana que avança até mesmo sobre o direito à aposentadoria dos trabalhadores rurais, pensões e benefícios de idosos carentes.

As pautas obscurantistas e irracionais promovidas pelo governo são gravíssimas, mostram despreparo e nenhum pudor republicano na administração do país. Servem para Bolsonaro alimentar suas milícias de internet, que não se desmobilizaram pós-campanha e mantêm uma clara disposição de perseguir adversários políticos. Combater esse tipo de ação detestável é um dever democrático e até mesmo civilizatório, que ultrapassa as clássicas divisões políticas que marcaram o país no último período.

Mas isso não pode vendar nossos olhos para outras ameaças também reais e urgentes. O governo elegeu como inimigos e movimenta a máquina para aniquilar os trabalhadores, os poucos direitos que ainda restam e as organizações sindicais. Esse é o objetivo final do pacote antipopular e antissindical, que tem na Reforma da Previdência a sua pedra angular.

A unidade mais ampla possível se faz necessária para enfrentar esse pacote de maldades, até porque a derrota do governo nessas pautas fortalecerá a luta popular e seus instrumentos e produzirá um racha na sustentação política de Bolsonaro. Não temos o direito à dispersão. 

*Deputado federal por São Paulo e líder do PCdoB na Câmara.