O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) protagonizou nova onda de desinformação esta semana ao se dirigir a apoiadores. Após uma simpatizante pedir que ele não deixasse fazer “esse negócio de vacina”, porque era “perigoso”, Bolsonaro respondeu que “ninguém pode ser obrigado a tomar vacina”. A frase gerou reação imediata em diversos setores e traz preocupação, sobretudo, neste momento de pandemia, onde o Brasil já perdeu mais de 124 mil pessoas para o novo coronavírus, segundo levantamento desta quinta-feira (3), do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Após a infeliz declaração de Bolsonaro, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) reproduziu a frase do presidente no Twitter em uma campanha com a mensagem: “o governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.

Segundo a Secom, o governo investiu bilhões de reais no enfrentamento ao novo coronavírus para que vidas fossem salvas e a economia preservada, além de incentivar a produção de vacina contra a Covid-19. De acordo com o texto, no entanto, “impor obrigações, definitivamente não está nos planos”.

Deputadas do PCdoB repudiaram a atitude do governo. “A OMS [Organização Mundial de Saúde] classifica a resistência à vacinação como uma das dez maiores ameaças à saúde mundial, mas isso o presidente não sabe. Ele não acredita na Ciência!”, afirmou a líder da bancada, deputada Perpétua Almeida (AC).

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que é médica, também usou suas redes para criticar a fala do presidente. “Ao renegar a vacina contra a Covid-19, Bolsonaro defende que todo brasileiro tenha liberdade. Liberdade de se matar e matar os outros”, disse a parlamentar, que, em outro tweet afirmou que se Bolsonaro quiser, que não tome a vacina, mas que “pare de pregar canalhice”.

Já a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) declarou ser “inacreditável” a fala do presidente. “Depois de minimizar os impactos da pandemia, causar aglomeração, ignorar as recomendações da OMS, agora Bolsonaro vai começar a não incentivar os brasileiros a tomarem vacina? É isso mesmo? Inacreditável!”, destacou.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) também criticou a postura do governo Bolsonaro. No documento, a entidade afirmou que entende ser “dever das autoridades públicas e dos profissionais da saúde conscientizar a população acerca da importância da vacinação, independentemente da obrigatoriedade, sob pena de vivermos retrocessos como a volta do sarampo devido às baixas coberturas vacinais”.

A entidade lembrou ainda que é dever de cada pessoa buscar a vacinação com o objetivo não apenas da proteção individual, mas coletiva.

Cobertura vacinal em queda

Além do desincentivo ao uso de vacinas em um momento em que a cobertura vacinal do Brasil, que sempre foi uma das melhores do mundo, está em queda, a peça publicitária da Secom destaca uma frase do presidente que não tem respaldo na realidade.

A aplicação de vacinas no país é obrigatória em crianças desde a criação do Programa Nacional de Imunizações, em 1973. O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei aprovada em 1990, diz em seu artigo 14 que é “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”

Pais que deixarem de levar os filhos para a vacinação correm o risco de ser multados ou processados por negligência e maus tratos.

São poucas a vacinas recomendadas, como a gripe ou a febre amarela, nenhuma obrigatória para adultos, dentre as 47 disponíveis. Desse total, apenas 23 são aplicadas rotineiramente. Ou seja, a estratégia do governo não tem outro sentido, senão reforçar o negacionismo científico.

No entanto, alguns países impedem, por exemplo, a entrada de pessoas que não são imunizadas contra febre amarela, assim como o Brasil assume compromissos internacionais de erradicação do sarampo, que obrigam a imunização. Outra contradição é que, foi o próprio governo Bolsonaro que, de modo inédito, colocou a vacinação como prioridade governamental, meta 35 do plano de governo, em 2019.

O Ministério da Saúde de Bolsonaro criou no ano passado o Movimento Vacina Brasil para recuperar as baixas coberturas vacinais. Dados da própria Pasta, no entanto, apontam que nenhuma das 10 vacinas obrigatórias para menores de dois anos atingiram as metas de cobertura naquele ano. Entre elas, a poliomielite, que teve cobertura de apenas 82,1% das crianças. Considerada oficialmente erradicada no Brasil, desde 1994, a doença exige vacinação porque o vírus ainda circula pelo mundo.

Estratégia calculada

A estratégia sistemática de desinformação antivacinal surge em “momento oportuno” em que o mundo todo luta para desenvolver uma vacina contra a Covid-19, que já matou 853 mil pessoas em sete meses. É também uma estratégia utilizada para desviar o foco de atenção de fatos negativos do governo. No mesmo dia da fala de Bolsonaro, foi anunciada a depressão econômica com queda histórica de 9,7% do PIB no segundo trimestre, notícia que sequer foi comentada pelo presidente.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro usa os recursos do cargo público para disseminar desinformação em meio à pandemia e evitar a principal estratégia científica que é o distanciamento social e a quarentena, com fechamento temporário da economia para impedir a circulação do vírus.

Ele começou dizendo que a doença não teria impacto significativo no Brasil, depois disse que se tratava de uma doença leve e de baixo risco de mortalidade. Não apenas foi contrário ao isolamento social e defendeu o uso de um remédio preventivo que não tem qualquer comprovação científica, como também demitiu dois ministros da Saúde por discordarem dessas opiniões. Com um ministro interino, militar e sem experiência na área, ele conseguiu impor um protocolo de medicamentos, assim como começou a sabotar a divulgação de dados nacionais de contágio e óbitos. Estimulou manifestações contra as medidas sanitárias e também convidou apoiadores a invadir UTIs, sob a alegação de que era mentira o número de contágios e mortes.

Sua retórica menosprezando o número de mortes e de famílias em luto contribuiu para naturalizar a convivência dos brasileiros com a alta mortalidade por Covid-19, assim como pressionar gestores públicos a flexibilizar a quarentena e reabrir a economia.