NOTA

Sobre a  regulamentação da progressividade do aviso prévio – PL 3.941/1989

Flávio Tonelli Vaz[1]

Data: 26 de setembro de 2011

A Câmara dos Deputados votou no dia 21 de setembro de 2011 o projeto de lei que regulamenta o aviso prévio proporcional. Embora esse direito esteja previsto no texto constitucional e o projeto tramitasse na Câmara dos Deputados desde 1989, havia pouco interesse na sua votação, como ocorre com a regulamentação de vários outros pontos da agenda dos trabalhadores. No entanto, diante do início de discussão da matéria no STF e da possibilidade do estabelecimento de regras até mais vantajosas pelo Judiciário, os líderes resolveram votar o projeto. Nos termos do acordo, foi aprovada a versão do Senado Federal, para que o projeto de lei fosse enviado imediatamente à sanção. Esta nota analisa o conteúdo aprovado, buscando, diante de um texto não muito claro, dirimir possíveis controvérsias.

O aviso prévio proporcional no texto constitucional

A Constituição Federal estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei” (CF, Art. 7º, XXI). Entretanto, passados mais de vinte anos, o texto que ainda vigora na CLT prevê um aviso prévio de trinta dias, ferindo a proporcionalidade determinada pela Carta.

Em 22 de junho, esse tema chegou ao Plenário do STF, por meio do julgamento de quatro mandatos de injunção propostos por ex-trabalhadores da Vale. Diante do voto favorável do relator (Ministro Gilmar Mendes), decidiu-se pela suspensão do julgamento para que uma solução de proporcionalidade fosse encontrada, tendo por base experiências de outros países, recomendações da OIT e, também, projetos em tramitação no Congresso Nacional. Foi observado que qualquer solução para os casos concretos acabaria se projetando para além deles.

O projeto de lei aprovado

Em 1989, o Senado Federal votou um projeto de lei, o PLS n.º 89/89, que tramitou na Câmara dos Deputados como PL 3.941/1989, para regulamentar o texto constitucional. Com o novo texto, o aviso prévio passa a ser de, no mínimo, 30 dias, sendo previsto, a título de proporcionalidade ao tempo de serviço, o acréscimo de três dias para cada ano de serviço prestado na mesma empresa. Na Câmara dos Deputados, a esse projeto foram apensadas várias outras proposições e aprovados três substitutivos pelas comissões em que tramitou.

O acordo para votação da matéria foi feito pela aprovação do texto do Senado Federal, com a rejeição de todos os projetos apensados, dos substitutivos adotados pelas diversas comissões da Câmara dos Deputados e sem interposição de emendas de Plenário.

Sobre o conteúdo da matéria aprovada, cabem as seguintes considerações:

a) sobre o direito ao aviso prévio: em casos de demissão imotivada, todos os trabalhadores, urbanos e rurais, e inclusive os domésticos têm direito a um aviso prévio de 30 dias, no mínimo, independentemente do tempo de serviço. A esses dias, serão acrescidos outros 3 para cada ano de serviço. Assim, ao completar doze meses de contratação, o trabalhador faz jus a 33 dias de aviso prévio. E assim sucessivamente, a cada novo ano, mais três dias serão adicionados aos seus direitos. O projeto limita esse acréscimo a 60 dias, assim a proporcionalidade deixa de fazer efeito a partir de 20 anos de serviço na empresa;

b) sobre o valor do benefício: o aviso prévio é considerado tempo de serviço, para todos os efeitos legais (inclusive para fins de reajustes salariais, férias, 13º salário e indenizações), mesmo quando é pago sob a forma de indenização. Assim o trabalhador faz jus ao seu salário integral, inclusive com as horas-extras habituais. O projeto não altera o valor do aviso prévio, mantêm-se inalteradas as disposições da CLT, inclusive quanto ao direito de redução da jornada de trabalho (duas horas diárias ou de sete dias ao final do período de aviso, a escolha do trabalhador);

c) sobre a vigência das novas disposições: as mudanças têm aplicação imediata, valendo para todos os contratos em vigor. Se a demissão ocorrer depois de publicada a lei, os trabalhadores poderão contar todo o seu tempo de serviço desde a sua contratação pela empresa. E, aos 30 dias de aviso prévio, serão acrescidos, conforme o caso, três dias para cada ano de serviço. A lei não pode retroagir para alcançar as demissões ocorridas antes da sua entrada em vigor, por se tratar de ato jurídico perfeito;

d) sobre os efeitos da decisão do STF: quando o Supremo publicar a sua decisão, deverá reconhecer que os trabalhadores têm direito a um aviso prévio superior a 30 dias, conforme o seu tempo de serviço na empresa. Assim, irá arbitrar uma proporcionalidade, observando ou não o disposto na nova legislação aprovada. Os efeitos dessa sentença deverão ser estendidos a todos os processos em curso, podendo ou não ter os seus efeitos modulados. Vale ressaltar que todos os trabalhadores demitidos sem justa causa podem entrar com ação no mesmo sentido, antes de decorrido um prazo de dois anos da rescisão do contrato de trabalho. Assim, devem também usufruir dos efeitos da sentença do STF. Esse direito não decorre da extensão retroativa da lei, que seria inconstitucional, mas de uma decisão judicial, que reconhece o desrespeito a direitos constitucionais decorrentes da não regulamentação adequada;

e) sobre a reciprocidade: constitucionalmente, o aviso prévio está previsto exclusivamente como direito dos trabalhadores. Entretanto, a CLT também estabelece um aviso prévio como obrigação do empregado que pede demissão. A Justiça do Trabalho entende que o aviso prévio, nessas condições, é também uma obrigação do empregado. O projeto aprovado é silente em relação a essa questão e, assim, não faltarão decisões que ampliem o aviso prévio devido pelo emprego em relação à empresa. Mas, vale ressaltar que a CLT estava livre para prever e regular um aviso prévio bilateral antes do texto constitucional. A Constituição, ao determinar que o aviso prévio seja proporcional ao tempo de serviço, estabeleceu essa disposição como direito dos trabalhadores.  Não faz sentido que, ao regulamentar esse direito, seja-lhes estabelecida uma obrigação adicional. Se mantido o entendimento de que o aviso prévio do empregado à empresa também é devido, a parcela desse aviso proporcional ao tempo de serviço não pode ser exigida pelas empresas, porque decorre de uma previsão expressa do texto constitucional: essa proporcionalidade é um direito dos trabalhadores;

f) sobre os defeitos da proporcionalidade estabelecida: a proporcionalidade ao tempo de serviço que a nova lei prevê contém imperfeições que demandam correções. Ao limitar a parcela proporcional a 60 dias (correspondentes a 20 anos) nega-se o direito a todo tempo de serviço excedente. A Constituição estabelece um comando de proporcionalidade sem limite. A lei pode estabelecer a relação entre o tempo de serviço e o aviso prévio, mas não pode limitar o direito ao arrepio do texto constitucional. Também pode ser alegado que a proporcionalidade deveria estar estabelecida com uma contagem em meses do tempo de serviço, não em anos como fez o projeto. Seria uma solução mais justa e mais adequada à alta rotatividade do mercado de trabalho nacional. Da forma como está, o aviso prévio mínimo de 30 dias será devido ao trabalhador que tenha um dia de serviço ou que acumule 364 dias. Mesmo mantido o acréscimo de 3 dias para cada 12 meses de trabalho na empresa, a previsão de um direito proporcional, computado na respectiva fração de meses, seria mais adequado, como aliás é feito para o 13º salário e para as férias.



[1] Esta nota foi elaborada a partir de uma discussão da assessoria sobre o projeto aprovado