Depois de quase cinco horas de obstrução da Oposição, aliados de Michel Temer na Câmara conseguiram aprovar por 203 votos contra 123, o substitutivo de Júlio Lopes (PP-RJ) para o Projeto de Lei (PL) 10332/18, do Executivo, que permite a privatização de seis distribuidoras de energia controladas pela Eletrobras. O texto, é o mesmo oriundo da Medida Provisória (MP) 814/17, que perdeu a validade no último mês, sem ter sido apreciada pela Câmara e pelo Senado.

Durante os embates, parlamentares da Oposição cobraram do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o cumprimento de um acordo estabelecido meses atrás de que a Casa não pautaria a privatização do sistema Eletrobras.

A vice-líder da Minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi taxativa ao cobrar posicionamento de Maia. “Havia um acordo estabelecido com os partidos quando o tema Eletrobras chegou a esta Casa. Foi constituída uma comissão para votação da Medida Provisória 814 e uma Comissão Especial da Câmara para discutir um projeto de lei explicitamente em favor da privatização da Eletrobras. Todos os debates foram feitos, audiências públicas não foram plenamente feitas. E, num determinado momento, com a presidência da Casa, ficou estabelecido que nem a medida provisória viria à votação nem o projeto de lei da privatização viria à pauta. Esse acordo foi feito. Agora, estamos cobrando claramente o cumprimento desse acordo. Nós queremos que fique claro, pelo microfone da presidência, que o projeto da privatização da Eletrobras não entrará em pauta até o final desta legislatura, em 2018”, afirmou em Plenário.

Em resposta, Maia afirmou que a parlamentar poderia ficar “tranquila”. “Já anunciei que essa pauta não será encaminhada essa semana. Até a eleição. Na próxima semana, nós vamos, de fato, encerrar esse assunto. Até a eleição, eu acho que nós vamos conseguir um encaminhamento melhor do que esse para a próxima semana, mas eu só posso anunciar depois que ele estiver concluído. Mas fique tranquila, porque aquilo que combinamos, e o que eu combinei com os trabalhadores e com os partidos, vai ser honrado”, anunciou Maia.

Apesar disso, a votação da privatização das seis distribuidoras do Norte do país teve andamento. Caso não haja mudanças na votação dos destaques, na próxima semana, o projeto permitirá a venda da Amazonas Energia; Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron); Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre); Companhia Energética de Alagoas (Ceal); Companhia de Energia do Piauí (Cepisa); e Boa Vista Energia, que atende Roraima.

O objetivo, segundo o governo, é resolver pendências jurídicas que podem afastar investidores do leilão e proporcionar atratividade para as empresas, que enfrentam uma série de problemas financeiros e operacionais.
Uma das críticas à proposta é o valor de venda estipulado pelo governo. Em fevereiro, a Eletrobras determinou a venda de cada distribuidora pelo valor simbólico de R$ 50 mil, com a assunção das dívidas das seis empresas pela estatal. A Eletrobras alega que o leilão é vantajoso, porque a ineficiência das empresas tornou a concessão inviável do ponto de vista jurídico e econômico.

Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que conduz a modelagem do processo de privatização, as seis distribuidoras atendem mais de 13 milhões de habitantes, em uma área de aproximadamente 2,46 milhões de km², correspondente a 29% do território nacional.

A presidente nacional do PCdoB, a deputada Luciana Santos (PE), lamentou a aprovação da matéria. Para ela, a venda das distribuidoras faz parte do golpe orquestrado para desmontar o patrimônio público. “Infelizmente, um governo sem autoridade política quer entregar um setor estratégico como este. Não podemos olhar uma estatal apenas do ponto de vista financeiro. Não é apenas uma questão de lucro, é para desenvolver o país, gerar emprego, tecnologia, ciência. Mais de 84% da nossa matriz energética é renovável e limpa. Isso foi fruto da inteligência brasileira, de um esforço nacional que vem desde os tempos de Getúlio Vargas e que Temer e seus aliados querem entregar de mão beijada. Mas vamos seguir a luta e barrar a tentativa de privatização do restante do sistema Eletrobras”, afirmou.

O líder do PCdoB, deputado Orlando Silva (SP), também criticou a proposta por considerar que a venda das estatais de energia interfere no projeto de nação brasileiro. “Significa subordinar o país à lógica privada. Exemplo disso é a explosão de preços da gasolina e do gás de cozinha pela Petrobras por conta da submissão aos interesses privados”, criticou.

Manobra regimental

Para garantir a aprovação do texto, a batalha do governo foi rasteira. Na noite de terça-feira (3), sabendo que não haveria votos suficientes para aprovar o PL em comissões, a base aliada utilizou uma manobra regimental para aprovar um requerimento de urgência, que permitiu a votação do texto no dia seguinte direto pelo Plenário com apoio apenas de maioria simples e não de maioria absoluta, como usualmente acontece em matérias como esta.

“Não podemos admitir que parte do setor elétrico brasileiro seja vendida dessa forma. Não vemos legalidade nesse requerimento. Somando o número de deputados pertencentes aos partidos que assinaram, não há 50% mais 1”, denunciou Jandira Feghali.

Caso não tivesse sido aprovada a urgência, a proposta teria que passar pelas comissões permanentes da Casa, o que praticamente inviabilizaria a realização dos leilões ainda este ano, como planeja Temer.