Após 2 horas e 23 minutos, a comissão mista que analisa a MP 814/17 aprovou, nesta quarta-feira (9), o relatório do deputado Júlio Lopes (PP-RJ) por 17 votos contra 7. A proposta facilita a privatização de seis distribuidoras de energia elétrica controladas pela Eletrobras e é vista por parlamentares da Oposição como porta de entrada para a total privatização da estatal.

Diferentemente do que aconteceu durante o tempo de debate da MP, a votação da matéria foi marcada por tensão, bate-boca e atropelos. A condução dos trabalhos, até então elogiada por parlamentares da base e da Oposição, tomou outros rumos, apontando a pressa e urgência de levar a matéria à Câmara dos Deputados.

Uma das razões, além da importância do tema ao governo, é o prazo dado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para recebimento da matéria na Casa. Num comunicado à comissão mista, Maia afirmou que só votaria o texto – que caduca no dia 1º de junho – caso a MP chegasse à Câmara até a sexta-feira (11).

Para garantir o resultado favorável, líderes do governo Temer acionaram sua tropa de choque, que, prontamente – e muitos pela primeira vez –, compareceu ao colegiado.

Mesmo com a comissão cheia, o líder do Senado, Romero Jucá (MDB-RR), insistiu na abertura do painel para votação antes mesmo da orientação da matéria. Deputados e senadores questionaram a medida, que foi acatada pelo presidente do colegiado.

“Não se faz orientação com painel aberto. A orientação é prévia”, argumentou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). A parlamentar comparou ainda a votação da MP 814, com a da Reforma Trabalhista. “Todo o debate se dá de uma forma e, de última hora, se apresenta um substitutivo que muda tudo. As garantias estão sendo dadas todas ao setor privado. Os consumidores e o Estado é que serão penalizados”, criticou.

A parlamentar fez referência em sua fala às inúmeras mudanças propostas pelo relator da MP 814. O texto, originalmente, era simples e envolvia apenas as distribuidoras que atuam nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Piauí e Alagoas. No entanto, o relatório aprovado pela base governista faz uma reformulação no setor elétrico.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) criticou o discurso do governo e trouxe ao debate o posicionamento da “musa das privatizações” do governo FHC. Elena Landau, que foi diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, fez duras críticas à MP 814 em seu Twitter.

Segundo ela, a ampliação dos temas tratados na MP 814 é uma dos perigos que se corre “mandar MP sobre assuntos mais técnicos”. “Júlio Lopes resolveu pegar a MP 814, que é simples e fundamental para a privatização das distribuidoras e da Eletrobras, e resolver todos os problemas do setor elétrico. Subsídios tarifários, financiamento de gasoduto, tarifa de Angra, participação minoritária em Angra, ajuste do preço de gás do PPT. Tarefas do Executivo e das agências e não do Legislativo. Muito menos de carona em MP”, pontuou a economista.

Com base na fala de Landau, a vice-líder da Minoria rebateu o discurso do governo de que a MP não abre brecha para a privatização. Tanto Eduardo Braga (MDB-AM), presidente do colegiado, como o relator da MP tentaram fazer crer que o teor da proposta não tinha relação com a privatização da estatal uma vez que o único artigo que tratava do tema explicitamente havia sido retirado.

“Esse discurso enganador, de que isso aqui não tem nada a ver com privatização, é desmentido até por quem coordenou o PND no governo FHC. Nós estamos jogando instrumentos do Estado brasileiro a serviço de quem não é daqui. A base do governo não compareceu ao debate e veio só para votar. Não estava aqui para discutir. A base já veio aqui com tudo acertado. Mas a conversa deles não é com o país. Vocês estão entregando tudo, estamos virando colônia, sem capacidade nenhuma de decisão”, insistiu Jandira.

Destaques

Após a votação do texto principal, a Oposição ainda tentou aprovar dois destaques. Num acordo estabelecido com Braga, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) conseguiu garantir ao menos a discussão sobre a retirada na MP da aquisição de terras sem limites por estrangeiros e a realização de um referendo sobre a privatização da Eletrobras. Dos 95 requerimentos de destaques apresentados, apenas esses dois foram analisados pelo colegiado.

Na orientação dos destaques, quando aliados de Temer viram que iriam perder por falta de quórum, a tropa de choque entrou novamente em ação. Usando seus celulares freneticamente, André Moura (PSC-SE), Darcísio Perondi (MDB-RS), Leonardo Quintão (MDB-MG) articularam a reocupação da base para impedir a consulta popular sobre a privatização da Eletrobras e o acesso de estrangeiros à terra.

A Oposição, por sua vez, ironizando a atitude da base, pediu pressa para votar o destaque. No entanto, Braga só colocou em votação, quando havia “maioria” do governo. Ainda assim, o resultado foi questionado pelos parlamentares. “Vou lhe arrumar outros óculos”, ironizou Jandira Feghali.

O deputado Carlos Zarattini criticou o impedimento da consulta popular. “Se esse governo tem tanta certeza de que isso será bom para o país, vamos ao debate com o povo brasileiro”, disse.

No entanto, os dois destaques foram rejeitados. Com isso, o texto será analisado agora pela Câmara dos Deputados.