Com o voto contrário da Bancada do PCdoB, a Câmara aprovou na noite desta terça-feira (9), em segundo turno, a PEC dos Precatórios (PEC 23/21). O texto, que agora segue para o Senado, altera regras do pagamento dos precatórios da União, flexibilizando a obrigatoriedade de quitação de títulos judiciais do governo.

Também conhecida como “PEC do Calote”, a proposta permite que o governo promova as chamadas “pedaladas” para não honrar direitos adquiridos e transitados em todas as instâncias da Justiça.

De acordo com o texto do relator Hugo Motta (Republicanos-PB), o limite das despesas com precatórios valerá até o fim do regime de teto de gastos (2036). Para o próximo ano, esse limite será calculado pela aplicação do IPCA acumulado ao valor pago em 2016 (R$ 19,6 bilhões). A estimativa é que o teto seja de R$ 44,5 bilhões em 2022.

O pretexto para o calote nos precatórios, que são dívidas do governo com sentença judicial definitiva, é abrir folga fiscal no Orçamento para pagar um programa eleitoreiro batizado de Auxílio Brasil pelo governo de Jair Bolsonaro. O novo programa social extingue o Bolsa Família para conceder uma ajuda de R$ 400,00, com previsão de existir apenas no ano que vem.

Ao orientar o voto “não” da Bancada do partido, o líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), destacou que a emenda "é inconstitucional, fere direitos adquiridos, fere o transitado em julgado e fere direitos dos professores e das professoras e de milhões de brasileiros que têm precatórios a receber”.

"Esta PEC 23 é inconstitucional. Ela fere o art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXVI, que diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Isso é o que está estabelecido na Constituição Federal. É disto que se trata, esta PEC está impedindo que sejam pagos os precatórios inscritos para serem pagos no ano de 2022", enfatizou.

Fundef

Um dos pontos mais criticados da proposição diz respeito aos precatórios relativos ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Pelo texto aprovado, eles deverão ser quitados com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes.

Essa prioridade não valerá apenas contra os pagamentos para idosos, pessoas com deficiência e portadores de doença grave.

Segundo nota da Consultoria de Orçamento da Câmara, do total de precatórios previstos para pagamento no ano que vem, 26% (R$ 16,2 bilhões) se referem a causas ganhas por quatro estados (Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas) contra a União relativas a cálculos do antigo Fundef.

Calote

A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) denunciou que Bolsonaro quer dar um calote nos credores do governo, entre eles os profissionais da educação, aposentados e pensionistas, para acumular recursos em período eleitoral.

"Ele quer criar um programa que só vai durar o período da eleição. Isso é um desrespeito com o povo, que não tem dinheiro para comprar carne e está se acumulando atrás de comprar pé de galinha e ossada de boi", criticou.

A parlamentar reforçou o voto contrário da Bancada, apontando que a PEC tira direitos já conquistados de receber ações na Justiça.

"Votamos 'não' porque entendemos que essa manobra fiscal prejudica o Brasil. O povo está com fome, não tinha que ter acabado o Bolsa Família para fazer um programa temporário, eleitoreiro, que acabará um mês depois das eleições. Engana-se o povo, por conta da sua carência e da sua dificuldade, e coloca na boca de alguns oportunistas", argumentou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Presidente do PCdoB no Maranhão e secretário das Cidades e Desenvolvimento Urbano do Estado, Márcio Jerry reassumiu o mandato de deputado federal para votar contra a emenda. Ele considerou a PEC do Calote uma "proposta imoral" do governo.

“Não é de Auxílio Brasil que se trata na PEC 23, longe disso. Se trata, em verdade, através de gigantesco calote, é de auxilio imoral e escandaloso ao processo de corrupção da política em nosso país”, disse Jerry, após deixar temporariamente a secretaria. "É imoral utilizar a desculpa de criar o auxílio para operar contrabando de bilhões com finalidade explícita de corromper e degradar o sistema político”, definiu.

Segundo o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), não é deixando de pagar obrigações, dívidas da União com aposentados, empresários e municípios que o governo federal vai financiar um suposto projeto social voltado a famílias carentes.

"É mentira, essa é uma conversa fiada. Querem pagar o Auxílio Brasil, faz-se um remanejamento de recursos e, por meio de uma medida provisória, pode-se fazer esse pagamento. Há arrecadação suficiente para este objetivo. Muito menos é a conversa de que isso vai favorecer a renegociação da dívida do INSS para os municípios brasileiros. É conversa fiada. A PEC 15 pode fazer isso, faz com melhores condições, tratando especificamente dessa questão", observou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) condenou a extinção do Bolsa Família e alertou para a falta de transparência do governo em relação ao uso dos recursos sequestrados de pensionistas, aposentados e das pessoas que têm direito a receber os valores definidos pela Justiça após o trânsito em julgado de ações contra a União.

"Essa PEC, de fato, é uma violência grave às pessoas, pois não há perspectiva para o povo mais pobre quanto à continuidade de um direito líquido e certo", disse.

A parlamentar lamentou que, após 18 anos de existência e uma trajetória que se tornou referência mundial de combate à fome e à miséria, o Bolsa Família seja substituído por um programa que vai durar apenas até o final do ano que vem.

Regra de ouro

A única mudança no texto, feita com aprovação de destaque do Novo, retirou a permissão para o governo contornar a chamada “regra de ouro” por meio da lei orçamentária. Eram necessários 308 votos, no mínimo, para manter o texto, mas a base aliada obteve apenas 303 votos.

A regra de ouro proíbe a realização de operações de crédito (emissão de títulos públicos) em montante maior que as despesas de capital (investimentos e amortizações de dívida). Atualmente, ela só pode ser contornada por meio de créditos suplementares ou especiais com finalidade específica e aprovados em sessão conjunta do Congresso por maioria absoluta – pelo menos 257 deputados e 41 senadores.