A bancada ruralista retomou sua ofensiva contra os povos indígenas na Câmara. Nesta quarta-feira (21), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) foi palco de manobras regimentais e atropelos conduzidos pelo seu presidente, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), para aprovar textos que acabariam com grande parte dos direitos das comunidades indígenas sobre suas terras.

Na pauta, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187/16, que autoriza as populações indígenas a realizar atividades agropecuárias ou florestais – o que já é permitido pela legislação vigente – servia de fachada para um perigo maior: a aprovação da PEC 343/17. O texto tramita apensado à PEC 187, e permite, na prática, o arrendamento de terras indígenas sem participação ou consulta às populações originárias, apenas com autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) – hoje nas mãos dos interesses ruralistas. Além disso, o projeto também acaba com a necessidade de o Congresso opinar e autorizar – ou não – a mineração ou a construção de hidrelétricas nessas mesmas áreas.

A reunião foi marcada por longa obstrução de parlamentares da Oposição, protestos de lideranças indígenas contrárias à aprovação dos textos, pela pressão da bancada ruralista que tenta, há anos, viabilizar suas investidas contra as comunidades tradicionais e pelo açodamento da condução dos trabalhos.

A líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi uma das parlamentares que chamou atenção para os atropelos encabeçados por Felipe Francischini. Para deputada, o açodamento para aprovar o texto é explicado pelo interesse ruralista de privatizar as terras indígenas.

“Chama a atenção a pressa, o açodamento da comissão para pautar essa matéria. Mas essas duas PECs são absurdas. Uma não tem objeto, pois o artigo 231 da Constituição Federal já garante a autonomia das comunidades indígenas em definir o que acontece em suas terras. E a outra só quer tirar direitos dos povos indígenas, além de tirar do Congresso o direito de decidir e opinar sobre o uso de recursos hídricos, minerais, energéticos e de pesquisa, para dar à Funai um direito de definir parcerias de 50% de bens da União, que são parcerias privadas. Nesta conjuntura, o que estamos dando é o direito de privatização dessas terras. E esse açodamento se explica aí. Na verdade, quem defende a PEC está com interesse estranhos ao interesse da União, do povo brasileiro e dos próprios índios. O nível de atropelo que está existindo não pode existir”, criticou a parlamentar.

Acordo

A obstrução durou até o início das votações no Plenário da Câmara, o que impede deliberações nas comissões. Mas as articulações não pararam por ali. No Plenário, a pressão para adiar a votação continuou e por volta das 23h, um acordo foi anunciado pelo presidente da CCJ.

Francischini informou a articulação de um acordo entre líderes partidários, que permitiu o adiamento para a próxima terça-feira (27) da votação da PEC 187/16. O parlamentar explicou ainda que não será discutida a PEC 343/17, do ex-deputado Nelson Padovani, que tramita em conjunto, pois a proposta será desapensada do texto principal. Em contrapartida, não haverá obstrução, mas foi estabelecido um roteiro de trabalho que garanta o amplo debate.

“O [relator] deputado Alceu Moreira [MDB-RS] fará uma complementação de voto pela retirada, aliás, pela inadmissibilidade da PEC 343. Então ela não retorna. Há um acordo da frente parlamentar da agricultura, e do PSL também, e que nós fizemos também junto ao Democratas, de não retornar o texto da PEC 343 em uma eventual comissão especial, numa aprovação aqui na CCJ. Foi um acordo costurado. Acredito que ficou bom para todo mundo”, anunciou Francischini no Plenário da Câmara.

A primeira deputada indígena eleita no Brasil, Joênia Wapichana (Rede-RR), comemorou a decisão com o grupo de 50 indígenas que continuavam na Câmara até tarde da noite. Ela deixou claro que os ataques aos direitos indígenas no Congresso e no governo irão continuar e que o movimento indígena deve continuar mobilizado.

“Temos uma Constituição que há 35 anos assegura o direito à posse da terra e o usufruto exclusivo sobre seus recursos naturais aos povos indígenas. Isso não pode ser modificado por interesses individuais e politiqueiros. Esta proposta traz de volta o conceito já ultrapassado pela Constituição da tutela, pelo qual os povos indígenas justamente não terão mais autonomia para decidir com quem vão fazer parcerias”, criticou Joênia Wapichana, que lembrou ainda que o Brasil ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta aos povos indígenas de todas as medidas administrativas e legislativas que os afetem.

“Essa medida não poderia nem mesmo estar sendo pautada sem que os povos indígenas pudessem ter o direito de se manifestar”, assinalou a parlamentar indígena.