Um debate sobre as opções terapêuticas para prevenção e combate ao coronavírus foi realizada nesta quarta-feira (22), por videoconferência, pela comissão externa que trata do tema na Câmara. A falta de comprovação científica da eficácia da cloroquina foi um dos temas abordados pelos participantes. O uso do medicamento vem sendo amplamente defendido – e até prescrito em cadeia nacional – pelo presidente Jair Bolsonaro, mas não possui base científica que endosse sua eficiência na cura da doença que já vitimou quase três mil pessoas só no Brasil.

Segundo o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Denizar Vianna, a recomendação do Ministério da Saúde no momento é para uso da substância apenas para casos graves. Vianna enfatizou que ainda não há estudo conclusivo sobre o uso da cloroquina, o que impede que a Pasta estabeleça um protocolo para o seu uso.

“O ministério recomenda uso de hidroxicloroquina e cloroquina em pacientes graves. Em pacientes leves não existe estudo que comprove a eficácia. Uma recomendação para uso, como política pública, depende do resultado dos estudos. É muito ruim que este assunto tenha saído para a esfera política”, afirmou.

Segundo ele, no mundo há pelo menos 500 estudos em andamento para analisar a eficácia da substância. No Brasil, a Pasta tem acompanhado ao menos seis ensaios clínicos, dos mais de 20 em andamento.

Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a politização da pandemia tem gerado efeitos negativos para o país. Enquanto parlamentares, governadores, prefeitos do país têm feito esforços para evitar o agravamento da situação, Bolsonaro tem quebrado as regras do seu próprio governo e incentivado a quebra do isolamento social – principal medida de combate à disseminação do vírus – e, de quebra, passou a “prescrever” o uso indiscriminado da cloroquina como salvação da crise sanitária.

A postura do presidente gerou, inclusive, um ataque nas redes sociais a pesquisadores da Fiocruz que conduzem um estudo sobre o uso da substância. Os dados preliminares indicaram que a cloroquina não produzia efeitos relevantes na cura do coronavírus. A publicação foi suficiente para gerar ameaças de morte aos pesquisadores da instituição.

Jandira Feghali, além de repudiar o ato, fez defesa enfática da ciência. “A partir do contágio tudo está em estudo. Não precisamos de uma análise política dos números. As decisões têm de ser baseadas na ciência”, defendeu.

A parlamentar reforçou ainda a importância do investimento na pesquisa, sobretudo depois da pandemia. “Sempre trazemos a importância da pesquisa, da ciência, do financiamento desse setor, mas não temos tido muito eco, e vimos, nos últimos anos, o estrangulamento financeiro desse setor e acabamos perdendo recursos humanos para outros países. Precisamos pensar nisso, sobretudo no pós-pandemia, pois não podemos voltar a uma situação de asfixia do setor depois”, enfatizou.

O vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Estevão Portela Nunes, endossou a fala de Jandira. Ele lembrou ainda que o investimento em pesquisa não pode estar ligado a ideologias. “Pesquisa precisa de investimento permanente e nem sempre as respostas são rápidas. É necessário que tenhamos investimento e isso não pode estar ligado a ideologias, mas às respostas que precisamos dar à população. A gente precisa de dinheiro e de pessoas. É fundamental que a gente consiga reter nossos pesquisadores no país e que eles não tenham seus trabalhos descontinuados para que possamos ter resultados”, afirmou. “É claro que temos uma emergência em saúde e os recursos vão aparecer, mas precisamos saber que em saúde precisamos sempre manter as pesquisas”, completou.

Além dos estudos relacionados ao uso da cloroquina no combate ao coronavírus, os participantes do debate falaram sobre o uso de plasma sanguíneo de pessoas que se recuperaram da doença em pacientes internados, a chamada plasmaferese. O método é apontado como uma solução enquanto os laboratórios farmacêuticos ainda estão em busca de desenvolverem um tratamento e uma vacina contra o vírus.

Segundo o imunologista e infectologista da USP Esper Kallas, o método, que foi usado na China e começou a ser utilizado de forma experimental nos Estados Unidos, tem sido visto como uma alternativa no Brasil e protocolos para uso estão sendo estudados. De acordo com Kallas, a plasmaferese seria usada na prevenção, em pacientes com até 12 dias depois da apresentação dos sintomas. Segundo ele, um doador poderia fornecer quantidade de plasma suficiente para tratar até quatro receptores.

O plasma é a parte líquida do sangue. O uso desta substância retirada de pacientes recuperados já foi usado com sucesso em surtos de outras infecções respiratórias, incluindo a pandemia do vírus influenza H1N1, que ocorreu entre 2009 e 2010; a epidemia de Síndrome Aguda Respiratória (chamada de Sars-CoV-1), em 2003; e a epidemia de síndrome respiratória do Oriente médio (Mers-CoV), de 2012.