A proteção de dados pessoais no Brasil está sob ameaça. Quase um mês depois da aprovação no Senado, por unanimidade, do projeto de lei que trata do tema, Michel Temer ainda não sancionou o texto e pode colocar o trabalho de dois anos no Parlamento em risco. Notícias veiculadas pela imprensa indicam que o governo pode vetar trechos, ameaçando direitos dos cidadãos, diminuindo responsabilidades das empresas e do Poder Público e colocando em xeque o principal pilar de garantia de efetividade da nova legislação: a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

“A gente precisava que Temer sancionasse o texto sem vetos ou corremos o risco de inviabilizar esta lei”, alertou o relator da matéria na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), em entrevista coletiva concedida nesta terça-feira (7), na Câmara dos Deputados.

Para o parlamentar, Temer não pode “desprezar a construção que foi feita no Congresso” para aprovação da matéria. Em tempos de polarização da política, o projeto de lei foi aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado, após um longo processo de escuta com os mais diversos setores. “Todos abriram mão para chegarmos a um texto consensual. No entanto, hoje, sei de um setor que se voltou contra o projeto: os bancos. A Febraban, do dia para a noite, começou a fazer lobby pedindo vetos. É uma lástima, mas espero que a posição dos bancos não se sobreponha ao interesse da população”, disse.

Além da pressão política para que Temer sancione a lei sem vetos, diversas entidades têm se manifestado em defesa do texto aprovado no Parlamento. Em nota divulgada na última semana, a Coalizão Direitos na Rede, que representa 31 organizações da sociedade civil, institutos de defesa do consumidor, coletivos e pesquisadores da área, defendeu a legislação. 

“Nunca antes uma lei sobre o tema teve tanto apoio na sociedade. Isso se deveu ao fato da redação equilibrar a proteção dos titulares com instrumentos para fomentar o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação. O consenso também foi resultado de um longo processo de discussão. Desde 2010, foram duas consultas públicas realizadas pelo Ministério da Justiça, com mais de 2500 contribuições, de atores nacionais e internacionais, resultando em um anteprojeto de lei. Desde que foi enviado à Câmara dos Deputados, em 2016, passou por um amplo debate, com a realização treze audiências públicas e dois seminários de grande porte, promovidos pela Comissão Especial designada para analisar a matéria. Houve ainda debates em outros fóruns, como no encontro anual promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, e em eventos organizados por empresas, acadêmicos e pelo terceiro setor”, enumera a nota da entidade.

O texto relatado por Orlando Silva concilia a proteção de garantias e liberdades fundamentais com interesses econômicos. Cria um sistema de proteção individual e coletivo e explicita regras claras para o tratamento de dados pessoais. Estabelece princípios para a coleta e uso, afirma direitos, cria mecanismos de avaliação de riscos, define conceitos de forma precisa e orienta tanto o setor público quanto o privado em suas responsabilidades e deveres. Viabiliza uma dinâmica política da lei, sem descuidar da complexidade da vida real, ao criar uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, a quem caberá, de maneira autônoma, acompanhar a aplicabilidade da lei, fiscalizar seu cumprimento pelos setores público e privado, e receber denúncias. Esta autoridade será um instrumento de efetivação da regulação, alinhada com as melhores práticas internacionais sobre o tema.

“Vetar um dispositivo da lei pode comprometer a aplicabilidade de todas as normas previstas. A lei é um conjunto de ordenamentos, onde os artigos dialogam entre si e são interdependentes. No caso da autoridade, o texto com 65 artigos menciona o órgão 56 vezes. Por todos estes motivos, é fundamental que a lei seja sancionada sem mudanças”, descreve a Coalização na nota.

Agora, segundo o líder do PCdoB na Câmara, resta esperar o texto que será sancionado para ver se haverá necessidade de articular a derrubada dos possíveis vetos presidenciais.

“Temos que ter esperança. Espero que Temer faça uma análise técnica e jurídica do texto, pois este é um tema muito árido e o Brasil tem uma legislação dispersa sobre o assunto. Não pode ser porque sou um deputado de oposição que ele vai acolher os vetos”, afirmou.