No mês de agosto o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento de uma ação que pode abrir caminho para a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal no país. No dia 10 de setembro, dois ministros do Supremo, Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, votaram a favor da descriminalização. Faltam ainda os votos de oito ministros para uma decisão final sobre o assunto.

O debate e torno deste tema ganha força porque o artigo da Lei de Drogas que define o porte como crime contraria texto do artigo 5o da Constituição Federal, pois, além de interferir na intimidade do usuário, não garante a proteção da saúde coletiva e a segurança pública.

De acordo com a norma, embora não seja condenado à pena de prisão, o usuário ou dependente químico cumpre as chamadas "penas alternativas", uma espécie de advertência penal, que obrigada o indivíduo a prestar serviços à comunidade por certo período ou a comparecer a programa ou curso educativo. O debate do Supremo já dá sinais de que essa característica seja revista.

O que está posto no STF, até o momento, é a retirada da "natureza penal" dessas medidas “alternativas”, que passariam a ter apenas uma espécie de "natureza civil e administrativa". O Direito Penal é o braço armado da Constituição Federal e só deve ser usado quando outras áreas do direito se revelem ineficazes para resolver as situações problemáticas surgidas na sociedade. Este não é o caso dos usuários de drogas, como a história já vem demonstrando.

É justamente este ponto do julgamento que deve ser visto com mais atenção. O STF não está decidindo pela liberação do consumo de drogas ilícitas no país ou pela descriminalização do uso de entorpecentes. O que os ministros de nossa corte suprema estão discutindo é simplesmente a retirada do estigma de criminoso do usuário de drogas, do fim do etiquetamento de jovens que se envolvem com substâncias ilícitas, apenas para seu consumo particular, como delinquentes.

Ademais, é bom lembrar que a norma da forma como está também viola o princípio do Direito Penal, segundo o qual diz que não se pode punir a conduta de alguém que não produz vítima. O que o uso pessoal de drogas produz é uma autolesão. Ou seja, a pessoa não poder ser ao mesmo tempo autor e vítima na situação.

Nesse sentido, fica clara a necessidade de se abrir os horizontes de reflexão em torno dessa questão. O consumo de drogas deve, antes de qualquer coisa, ser tratado como uma questão de saúde pública, com políticas de Estado que englobem os setores da Saúde, Educação e Segurança.

Precisamos separar as coisas. De um lado o tráfico de drogas, que deve ser combatido com políticas de segurança pública modernas, que enfrentem a violência que vem junto com essa prática. Do outro, o porte para uso pessoal de drogas, para este a solução é conscientização, a presença do Estado, com políticas efetivas que garantam o resgate desses indivíduos aprisionados à dependência química, que muitas vezes é iniciada por outros problemas sociais.

O uso pessoal de drogas não deve ficar refém de preconceitos, é preciso um debate amplo e ciente da realidade social em que estamos mergulhados. Nesse a razão pessoal não deve ser o norte, o que deve prevalecer é o olhar por toda a sociedade, só assim construiremos respostas capazes para superar nossos desafios.

*Orlando Silva é deputado federal pelo estado de São Paulo e vice-líder do governo na Câmara dos Deputados.

O artigo foi publicado originalmente na Revista Voto