Por 228 votos contra 210, deputados impuseram nova derrota ao governo Bolsonaro nesta quarta-feira (22) na votação da MP 870/2019, que trata da reforma administrativa. A votação se refere à manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Economia, retirando-o do Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, e contrariando, assim, um dos principais pleitos do “super juiz” de Bolsonaro. A votação do texto foi concluída nesta quinta-feira (23) e segue para avaliação do Senado.

Para a bancada do PCdoB, esta foi uma votação importante, pois impediu o uso político de um importante órgão.

“O Coaf nasceu vinculado à Fazenda, permaneceu vinculado à Fazenda, e cumpriu sua função, suas atribuições, que é fazer o controle da atividade financeira. É assim em todos os lugares. É um debate técnico. Estão querendo personalizar, estão querendo fazer política. Aí sim, estão querendo politizar esse debate para transferir o Coaf, atendendo a um interesse que tem nome e sobrenome. Não é esse o papel do Coaf. Não é isso que interessa ao país, que interessa à sociedade e que faz do Coaf um órgão que assegure e fortaleça suas atribuições”, defendeu o líder comunista, deputado Daniel Almeida (BA).

O Coaf foi criado em 1998 e é responsável por investigações relacionadas à lavagem de dinheiro a partir de informações repassadas pelo sistema financeiro sobre movimentações suspeitas de recursos.

Os defensores da transferência para o Ministério da Justiça, sob o comando de Sérgio Moro, argumentaram que isso facilitaria o combate à corrupção. No entanto, para os parlamentares favoráveis à permanência do conselho na área econômica disseram que esse é o padrão adotado em vários países pela proximidade técnica do tema e que não impede o combate à corrupção anunciado pelo governo.

“Entendemos o Coaf como política de Estado, não como uma estrutura para ser usada politicamente, muito menos para empoderamento individual. Não tratamos aqui de um ministro que pode ficar um mês, dois meses, seis meses, um ano ou que faz acordos para se colocar em outras estruturas de Poderes da República. Nós aqui tratamos de estruturas de Estado, com as quais todos os governos contribuíram em qualquer momento que foram demandados para processos de investigação. O Coaf é uma estrutura técnica e assim deve permanecer, com seus competentes técnicos onde sempre estiveram, no Ministério da Economia. A não ser que desconfiem que o ministro Paulo Guedes não contribuirá nos processos investigativos”, afirmou a líder da Minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Após a derrota, Moro lamentou, nesta quinta-feira (23), em sua conta do Twitter, o resultado da votação da MP 870. “Sobre a decisão da maioria da Câmara de retirar o Coaf do Ministério da Justiça, lamento o ocorrido. Faz parte da democracia perder ou ganhar.”

Política indigenista

Outro ponto polêmico da MP envolvia a Fundação Nacional do Índio (Funai). Desde o início do governo Bolsonaro, o órgão criado para atender a política indigenista vem sendo desmantelado. A estrutura montada pelo presidente da República, retirou o órgão do Ministério da Justiça, deixando-o com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a parte da demarcação de terras com o Ministério da Agricultura.

A contragosto do governo, o trecho também foi alterado e a Funai foi devolvida com todas as suas atribuições ao Ministério da Justiça, indicando uma importante vitória para os indígenas.

“Todo governo tem o direito de fazer uma reforma administrativa, é óbvio. Mas uma reforma que prejudica as políticas públicas que atendem da melhor maneira ao povo é um tipo de reforma que não pode nem deve ser aprovada sem alterações. Somos contra esse tipo de proposição que prejudica o povo brasileiro, que é contra a segurança alimentar e nutricional, que prejudica a política indigenista. Enfim, há graves problemas embutidos no texto da medida provisória e precisamos alterá-los”, pontuou o deputado Márcio Jerry (MA), vice-líder do PCdoB na Câmara.
Cultura e Trabalho

Os embates foram duros e alguns pontos foram mantidos como o proposto pelo governo. Apesar de grande mobilização, parlamentares não conseguiram reverter a extinção dos ministérios da Cultura e do Trabalho, por exemplo. Na reestruturação de Bolsonaro, a Pasta do trabalho teve suas atribuições distribuídas entre os ministérios da Economia, Justiça e Cidadania; já o Ministério da Cultura virou uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania.

“A República se estruturou com a possibilidade de disponibilizar direitos para os trabalhadores, a partir da criação do Ministério do Trabalho e da promulgação da CLT. Estamos vendo, a cada momento, a desregulamentação do trabalho no Brasil. Esse fato também atinge o capital produtivo. E não há dúvida que a recriação do Ministério do Trabalho iria regular, de forma mais equilibrada, as relações de trabalho em nosso país, o combate ao trabalho escravo, o combate ao trabalho infantil, o combate à exploração do trabalho a níveis exorbitantes, além de gerar políticas que venham ao acolhimento dos mais de cinco milhões de desalentados e dos 12,5 milhões de desempregados que há em nosso país”, argumentou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), em defesa da recriação da Pasta.

Tramitação

O texto agora segue para análise no Plenário do Senado. Novas alterações não são descartadas. Se a proposta for alterada pelos senadores, o texto terá de retornar à Câmara, mas o governo tem pressa em ver as votações concluídas, pois a MP 870/2019 perde validade no dia 3 de junho. Se isso acontecer, Bolsonaro terá de governar com a estrutura do governo Temer, com 29 ministérios na Esplanada.

Após deliberação no Congresso, o texto segue ainda para sanção presidencial. Se Bolsonaro discordar do novo texto, pode ainda vetar trechos da MP. Se aprová-la, vira lei.