O depoimento do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, nesta terça-feira (11), surpreendeu ao trazer críticas à postura e declarações de Bolsonaro durante a pandemia. Barra Torres condenou ainda falas contra vacinas e aglomerações promovidas pelo presidente – mesmo tendo participado de uma manifestação ao lado de Bolsonaro em 2020.

“A posição do presidente contra a vacina vai contra tudo o que a Anvisa preconiza”, destacou.

Aliado próximo e amigo do presidente da República, Barra Torres também confirmou a tentativa do governo federal de alterar, por meio de um decreto presidencial, a bula da hidroxicloroquina, com objetivo de ampliar o seu uso para o tratamento da Covid-19.

O medicamento, ainda hoje, mesmo sem eficácia comprovada contra a doença e tendo seu uso condenado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é defendido por Bolsonaro.

Segundo ele, a tentativa de mudança da bula foi defendida pela médica Nise Yamaguchi em reunião do comitê interministerial com a presença do presidente Jair Bolsonaro numa sala do 4º andar do Palácio do Planalto.

“Aquilo me provocou uma reação deseducada. Falei que não poderia acontecer. Isso não tem cabimento”, disse.

Para a vice-líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ao confirmar a pressão para a tentativa de mudança na bula do medicamento, Barra Torres dá base para que a CPI possa chegar à responsabilização de Bolsonaro. “Antonio Barra Torres, da Anvisa, confirma proposta de alteração da bula da cloroquina em reunião no Planalto. CPI da Covid reunindo provas de que Bolsonaro é um genocida e que precisa sair agora da presidência”, destacou.

A vice-líder do PCdoB na Câmara, deputada Professora Marcivânia (AP), afirmou que a declaração do diretor-presidente da Anvisa é “um crime contra a saúde pública e que se demonstra uma evidência de que esse governo é o grande responsável por todo esse caos que vivemos”.

O líder da legenda na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE), destacou o trecho do depoimento em que Barra Torres disse que para se mudar a bula de um medicamento é necessário existir todo um estudo clínico, atestando que o remédio é eficaz e seguro para determinada doença. “Não é por decreto de governo”, destacou Renildo da declaração do diretor da Anvisa.

Em seu depoimento, Barra Torres também deixou clara sua posição sobre a cloroquina: “Existe hoje, no Brasil, um estudo em aberto chamado Coalizão 5, que avalia dados de uso em casos leves. Ele tem previsão de acabar dia 31 de dezembro do corrente ano. Até o presente momento, no mundo todo, os estudos apontam a não eficácia comprovada em estudos ortodoxamente regulados, ou seja, placebos controlados, duplo-cego e randomizados. Então, até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na Covid-19”.

Sputnik V

Barra Torres também falou sobre o processo de aprovação da vacina russa: a Sputnik V pela Anvisa. Recentemente, o órgão rejeitou o uso emergencial da vacina no Brasil, contrariando a expectativa de muitos estados que viam no imunizante uma alternativa para acelerar o processo de vacinação em seus estados e de contenção do número de óbitos pela doença no país.

De acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a Covid-19 já vitimou mais de 420 mil brasileiros.

Barra Torres, no entanto, reiterou a posição do órgão e afirmou que a aprovação da Sputnik V depende da entrega de mais documentos por parte dos desenvolvedores. “Não pegamos vacina e colocamos no microscópio. A análise é feita a partir dos documentos apresentados”, disse.

Para o vice-líder do PCdoB, deputado Orlando Silva (SP), “falta, no mínimo, sentido de urgência à agência” neste caso.

“Ora, com mais de 2 mil pessoas morrendo por dia há 54 dias, falta, no mínimo, sentido de urgência à agência”, criticou.

Para ele, foi “inacreditável”, a declaração do diretor-presidente da Anvisa de que nem a agência ou o Ministério da Saúde têm trabalhado ou mantido contatos visando agilizar o processo de aprovação da Sputnik V. “Ou seja: dormem em berço esplêndido enquanto os brasileiros continuam morrendo”, condenou Orlando.