A pandemia do Covid-19 trouxe para maioria das mulheres inúmeros impactos, desde a jornada doméstica redobrada com filhos sem ir à escola, à perda total da renda ou o arremesso à linha de frente na crise sanitária, como as que atuam em categorias essenciais. São elas maioria na enfermagem e nos supermercados. Se associamos o recorte racial então esse quadro se intensifica.

A violência contra a mulher também choca. Esse crime aumentou em nosso estado e os números são drásticos! O ISP registrou aumento de 17% de ocorrências entre março e abril. Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou no mesmo período aumento de ligações pedindo socorro ao número 190. Passaram de 15.386 ligações em 2019 para perto de 16 mil este ano.

Os números chocantes não param. De acordo com o Tribunal de Justiça, mais de 60 medidas protetivas foram expedidas – por dia – em abril.

A constante campanha de ódio e violência alimentada pelo Governo Federal e seus apoiadores mais obtusos ajudam na formação desse caldo de cultura perigosíssimo contra a democracia e a vida das mulheres, até mesmo no meio de uma pandemia. Não é à toa que a violência doméstica ficou mais visível nestes tempos.

A crise sanitária, inclusive, pode ter amenizado os números fluminenses deste último prejuízo. Isso porque a rotina dentro da pandemia pode ter dificultado que muitas vítimas buscassem socorro, levando a uma subnotificação da violência doméstica em diversas regiões de nosso estado. O necessário isolamento social revelou a face machista e misógina de muitas parceiros – que um dia, certamente, viria à tona.

Numa sociedade como a nossa, chagas profundas do patriarcado, machismo e da violência de gênero são feridas sempre abertas e abrem purulentas em crises como a de hoje. Foi por causa dessas mazelas estruturais que há 14 anos pude, com muitas contribuições e como relatora na Câmara dos Deputados, construir o texto final da Lei Maria da Penha. Desde 2006, todo 7 de agosto, quando celebramos a sanção da lei, levantamos essa pauta para que menos mulheres sejam agredidas, não se calem, denunciem seus agressores e todos sejam punidos no rigor da lei. As vidas valem muito!

Atualmente avançamos politicamente no sentido de fortalecer a lei, aprovando projetos que fortaleceram o combate, a exemplo da proposta que manteve como essenciais e em pleno funcionamento na pandemia os serviços de atendimento e proteção às mulheres, dando prioridade nos atendimentos.

O coronavírus expôs nossas dificuldades enquanto sociedade. Das medidas de proteção básicas contra o vírus, passando pelo respeito ao isolamento social e o convívio harmonioso nos lares. Para sairmos de cenários de intensa violência contra mulher será necessário muito mais dedicação de governos e sociedade, tanto na prevenção quanto na punição.

Precisamos imediatamente retomar a luta pela cultura de paz e exigir o cumprimento integral da Lei Maria da Penha para que possamos alcançar no futuro um patamar civilizatório em que violência doméstica seja apenas uma triste lembrança em nossa trajetória social.

*Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro e foi relatora da Lei Maria da Penha na Câmara dos Deputados. Artigo originalmente publicado no jornal O Dia.