As prioridades para 2019 e o planejamento de atuação do Ministério das Relações Exteriores foram tema de debate na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (27). Durante quase sete horas, o ministro da pasta, Ernesto Araújo, e parlamentares da Oposição travaram fortes embates na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Casa.
 
Na audiência, Araújo expressou o desejo de fazer uma “reinvenção da política externa brasileira”, e defendeu que a ação é necessária para que o país saia da crise. Para ele, “temos nos comportado de forma autoexcludente” no que se refere ao âmbito internacional, muito devido à atuação do Itamaraty, que “promoveu um isolamento comercial pois tinha vergonha de não atuar de acordo com seus interesses”.  

O ministro alegou, e reiterou diversas vezes, que não fará política externa dotada de ideologia – como, de acordo com ele, foi o modus operandi nos últimos governos. Curiosamente, proferiu no mesmo discurso uma ode aos Estados Unidos. A contradição, dentre tantas outras, foi apontada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), uma das autoras do convite a Araújo.

“O senhor, que condena tanto ideologia, é ideologia pura. E pior, feita de forma atravessada. Agora, ainda nega tudo que foi o Itamaraty e tudo que foi a política externa brasileira durante anos. O que tenho visto na atuação deste governo, da qual o senhor tanto se orgulha, me envergonha e me preocupa. É a ideologia do desmanche e do entreguismo. Suas ações afetam nossa balança comercial, afastam nossos embaixadores de política externa e comprometem nossas relações”, defendeu.

Estados Unidos

Durante a tumultuada visita de Jair Bolsonaro a Donald Trump no início do mês, foram feitas tratativas duvidosas, que indicam um alinhamento automático ao presidente norte-americano e seus interesses. Araújo negou a subserviência demonstrada pelo governo durante o encontro e disse que o comportamento do Brasil indica que, se existe uma relação de submissão, é com a China.

Para ele, a viagem de Bolsonaro teve como intuito “recuperar o tempo perdido e restabelecer uma parceria tradicional com os EUA, em benefício do Brasil”. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que concede o uso comercial da Base de Alcântara aos Estados Unidos, esteve entre as negociações.

O ministro defendeu que se fosse qualquer outro país envolvido com a negociação de Alcântara, o assunto já teria sido resolvido há muitos anos. Já que o inteiro teor do AST está sendo mantido sob sigilo até então, a preocupação de parlamentares e entidades está na possível repetição dos termos do documento original de 2000, que não foi aprovado pelo Congresso à época por ferir a soberania nacional.

Mas o ministro garante: os Estados Unidos foram muito “diplomáticos” na negociação. “Não há cláusulas de extraterritorialidade ou que firam a soberania. Se houve qualquer concessão, foi por parte dos norte-americanos graças à nossa nova atitude. Porque os acordos deles costumam ser muito mais rígidos”, alegou.

Outra decorrência da viagem foi a derrubada de exigência do visto para turistas estadunidenses entrarem no Brasil. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da Oposição na Câmara, questionou o ministro sobre a decisão e a falta de reciprocidade do acordo.

Araújo respondeu que a lei faculta ao Executivo e que o princípio de reciprocidade é abstrato. “Estamos reconhecendo uma realidade de que essa medida aumentará o fluxo de turismo no Brasil. Isso vai gerar empregos e renda para o país”. Molon rebateu que, se fosse por esse motivo, “teríamos aberto isenção também para chineses e indianos, que têm em suas classes médias e altas importante potencial turístico”.

Coincidentemente, o governo dos Estados Unidos anunciou nesta semana que adotará nova medida que entra em confronto direto com o decreto de Jair Bolsonaro. Dentro de dois meses, as autoridades norte-americanas exigirão um histórico de uso das redes sociais dos últimos cinco anos para brasileiros que solicitarem o visto.

Contradições

Ao falar sobre as relações com países fronteiriços, Araújo foi questionado por parlamentares sobre a Venezuela e o uso da força militar. Isso porque recentemente, em entrevista a um canal de televisão chileno, Eduardo Bolsonaro disse que era “muito difícil derrubar Maduro por meio pacíficos”.

“Como muitas vezes o filho do presidente tem se comportado como efetivo ministro das Relações Exteriores, como já demonstrado na visita aos Estados Unidos, indago: a declaração dele é a posição oficial do governo que o senhor representa?”, provocou o deputado Glauber Braga (PSol-RJ), ao lembrar do fato.

O ministro disse que o princípio constitucional brasileiro de não-intervenção será mantido e respeitado. “Queremos a redemocratização da Venezuela. Estamos empregando meios puramente diplomáticos e políticos para isso. Relacionamento de fronteiras é uma das nossas prioridades”, disse.

Ditaduras

Falar em democracia foi outro ponto de polêmica e contradição durante a audiência pública com os parlamentares. Ao mesmo tempo em que Ernesto Araújo diz que o governo defende uma “Venezuela democrática”, Jair Bolsonaro fez declarações infelizes sobre as ditaduras latino-americanas durante visita oficial ao Chile na semana passada.

Como se isso não bastasse, o presidente do Brasil sinalizou, nesta segunda-feira (25), por meio do porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros, que as Forças Armadas poderiam comemorar o golpe de 31 de março de 1964.

A declaração absurda ecoou tão forte nas instituições e na sociedade, que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) divulgou nota na qual afirma que tal ação merece “repúdio social e político”, e pode configurar improbidade administrativa.

Quando indagado pelos parlamentares da Oposição sobre o episódio e o período ditatorial, o ministro das Relações Exteriores foi categórico, ao afirmar que “não tivemos um golpe em 1964”. Araújo foi além, ao descrever o regime militar como “um movimento necessário, para que o Brasil não se tornasse uma ditadura”.

A deputada Perpétua Almeida refutou, dizendo que democracia não é um termo seletivo, e que talvez o ministro devesse rever os conceitos e a definição da palavra. Ele desdenhou e foi evasivo, ao alegar que “esta não deve ser uma questão de teorias e nominalismo, mas sim da prática”.