A essa altura dos acontecimentos, resta evidente que o governo Bolsonaro caminha decidido para um fracasso precoce. Não se trata aqui de exercício de futurologia sobre impedimento, renúncia ou golpe, mas de uma inferência a partir das demonstrações dadas e reiteradas.

Ao fazer a opção pela radicalização e estimular um confronto de ruptura, o presidente renova a fé dos mais sectários seguidores da seita bolsonarista, mas se afasta de parcelas cada vez maiores da sociedade, inclusive de seus antigos apoiadores. Não à toa, os tais "protestos a favor", de nítido cariz golpista, provocaram controvérsias entre grupos de empresários, políticos governistas, na própria bancada do PSL e até mesmo entre ministros.

Engolfado por suas próprias crises, todas até aqui autogestadas, Bolsonaro levou o país à paralisia, corroeu grande parte de seu capital político e perdeu, irremediavelmente, a possibilidade de fazer uma maioria política que lhe garantisse um mandato sem sobressaltos. Como não sabe o que fazer nem como fazer, precisa fabricar inimigos internos e externos para legitimar o discurso despótico de um líder cada vez mais isolado e desacreditado. Primeiro foi a esquerda, depois o Supremo, depois o parlamento e o “centrão, depois todos esses juntos e multiplicados.

Como bem apontou, em recente entrevista, o veterano José Sarney, Bolsonaro joga todas as cartas no caos. Assim, em sua compreensão da realidade, receberia do povo – o que ele chama de povo são seus apoiadores – um salvo-conduto para concretizar suas tentações autoritárias. Não tem como dar certo.

A bem da verdade, o único amálgama do bolsonarismo não é um projeto do que fazer pelo país, mas do que destruir: a democracia, as forças progressistas, a educação pública, a cultura, o meio ambiente, o que existir de perspectiva de desenvolvimento soberano, os alicerces do Estado nacional. Só que um programa de desconstrução prega para convertidos e não forma maiorias, é limitado e chega uma hora que cansa.

Enquanto o presidente aspira reinar no deserto, o país segue à deriva. A economia recuou no último trimestre, as previsões do PIB foram todas revistas para baixo – agora se fala em 1,5%, mas o provável é que nem chegue a isso – e a depressão já aponta no horizonte. O desemprego ultrapassou 13 milhões de pessoas e segue em rota ascendente. A desigualdade de renda se ampliou sensivelmente, os ganhos do trabalho só depreciam e o custo de vida tem aumentado a olhos vistos – o combustível e o botijão de gás estão aí para não me deixarem mentir.

Obviamente, a draga econômica tem custo político. Não dá para culpar os outros para sempre. Por isso, os movimentos de massas voltaram às ruas. Embora chamados de “idiotas úteis” pelo presidente, os estudantes e professores protagonizaram um levante de respeito contra o governo, na semana passada. Haja “idiota útil”: foram contados em milhão, em mais de 200 cidades. Programam outro encontro para o dia 30 e ainda haverá a greve geral, no 14 de junho.

O clima contra o governo começa a se instalar, como provam as pesquisas de opinião – em todas, o traço comum é o aumento de ruim/péssimo e diminuição da avaliação do presidente. Os bolsonaristas podem desqualificar o quanto quiserem, mas terão de colocar sob suspeição Datafolha, Ibope, CNT-Sensus, XP-Investimentos, El País e todas as instituições que fizeram sondagens sobre o humor dos brasileiros quanto aos rumos do país. Ainda bem que relinchar, assim como chorar, é livre.

A Reforma da Previdência, agenda única do governo para a economia, só não foi para enterrada ainda porque parte do Congresso assumiu, equivocadamente, essa pauta como central. Mas a maioria para aprová-la ainda está longe de ser realidade. Com o povo na rua e o tempo passando, é possível derrotarmos essa atrocidade e preservar direitos sociais importantes.

Da mesma forma, medidas tributárias ora em estudo na Câmara são de iniciativa dos deputados. Na verdade, até agora, tudo o que se movimenta, afora da pauta divisionista de costumes e da indecência armamentista, se faz apesar do governo.

Caindo em desprestígio popular, pouco confiável e imprevisível, indisposto até com as forças que o elegeram e inútil para obter apoio às medidas que assina, Bolsonaro está virando um estorvo para seu próprio governo. Periga ficar como aquele funcionário que, de tanto faltar no emprego, um dia foi mandado embora porque o patrão descobriu que não precisava dele para o serviço.

Bolsonaro tem caráter autoritário e está inebriado pelo poder, julgando-se em missão divina, o que lhe incompatibiliza com a democracia. Pode se perder nos descaminhos da própria soberba e ganância. O presidente que sonha com um absolutismo de Luís XIV, pode acabar tendo o destino de Luís XVI, a guilhotina.

*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP.