Jamais se viu na história brasileira um governo tão orgulhoso da própria ignorância. Símbolo maior do culto à indigência intelectual, o presidente da República não cansa de render homenagens ao obscuro Olavo de Carvalho, figura marginal e sem credibilidade acadêmica alguma, que virou personalidade da República por desopilar o fígado nas redes sociais xingando oponentes.

Fossem tempos normais, gente assim estaria onde sempre esteve: afastada do debate público, ruminando sua espessa mediocridade. Mas não são. Em tempos normais, seria impensável alguém atirar a esmo, de um helicóptero, contra seres humanos. Quem o fizesse seria denunciado, processado, preso, levado à ONU. Nos dias de hoje, vira governador de estado. Essa turma está no poder.

A cruzada anti-intelectual de Bolsonaro e de seu ministro, outro discípulo do olavismo, ganhou contornos dramáticos nos últimos dias. Abraham Weintraub primeiro anunciou cortes de 30% no orçamento de três universidades federais (UFF, UFBA e UNB) como represália política pelo que qualificou como “balbúrdia”, violando todo o manual de regras do direito administrativo.

A coisa ficou estranha, gerou forte reação da comunidade acadêmica e da sociedade em geral. E o que fez o ministro para consertar o mau passo? Deixou a emenda pior que o soneto: estendeu o facão para todas as públicas federais. Os cortes também afetam os Institutos Federais e até a mais simbólica escola brasileira, o Colégio Pedro II, no Rio. E não é só: na tarde desta quarta, o governo bloqueou generalizadamente, sem qualquer aviso prévio, as bolsas de estudos de diversos programas da CAPES.

Vários reitores já vieram a público dizer que os cortes impactarão diretamente no custeio, dinheiro que paga água, luz, manutenção de equipamentos, restaurante universitário, podendo mesmo causar a interrupção das atividades em certos casos. Importante que se diga que tais bloqueios incidem sobre orçamentos já depreciados e sem aumento há anos. Ou seja, as universidades federais, que já têm sofrido imensas dificuldades de caixa, tendem a entrar em colapso se a medida não for revista.

O resultado é tão desastroso e abrangente para a política educacional e para a pesquisa científica que os prejuízos não devem ser apenas imediatos, mas podem deixar sequelas para o futuro. É o caso, por exemplo, do cancelamento de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, o que acarretará paralização de pesquisas e experimentos, uma vez que grande parte dos estudantes têm a dedicação integral como exigência para a bolsa.

Para se ter uma ideia do estrago, estima-se que 90% da pesquisa científica nacional seja produzida por estudantes da pós-graduação, sendo os dois maiores financiadores de bolsistas o CNPq e a CAPES – o primeiro, vinculado ao MCTIC, já disse que só tem dinheiro para pagar as bolsas até setembro; o segundo órgão já iniciou os cortes.

É possível recuperar tanto trabalho que pode se perder? Em muitas áreas, especialmente nas mais dependentes de tecnologia de ponta, o prejuízo será irrecuperável. Sem contar a fuga de cérebros – um grave problema devido aos valores risíveis das bolsas de estudo e a falta de oportunidades no mercado interno -, que tende a se agravar.

Por tudo isso, afirmei em pronunciamento na Câmara que o Brasil está na contramão da história. Enquanto o mundo discute a revolução 4.0, nanotecnologia, inteligência artificial, impressora 3D, internet das coisas, a insana política de sabotagem à educação e à ciência do governo Bolsonaro equivale a dar macha à ré e acelerar rumo a um passado colonial.

Isso não é por acaso ou mera incapacidade da atual administração, embora este seja o governo mais repleto de nulidades intelectuais de nossa vida republicana. A “revolução dos ignorantes” é, antes de tudo, um projeto: Bolsonaro é um serviçal de interesses estrangeiros e foi eleito para dizimar os instrumentos que possibilitem qualquer perspectiva de desenvolvimento autônomo do Brasil pelas próximas décadas. Está se esmerando em entregar o serviço para o qual foi contratado.

Um dos deveres mais urgentes das forças democráticas, dos patriotas e de todos os que acreditam no Brasil é resistir contra o desmonte do Estado, notadamente seus alicerces públicos da educação, pesquisa e produção científica. Por isso, é salutar o levante estudantil da última semana, ao qual se soma a marcha “Ciência Ocupa”, comandada pela SBPC e entidades científicas, e se avolumará com a greve nacional da educação do próximo dia 15 de maio. Pelo bem do país, é hora de unir forças e deter os que elegeram o conhecimento como inimigo público número um.

*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB-SP