A ameaça de interrupção no pagamento de bolsas de pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ganhou destaque na pauta da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (28). Representantes de entidades de apoio à ciência e tecnologia estiveram na Casa para pedir apoio de parlamentares para impedir o corte nas 84 mil bolsas de pesquisas financiadas pelo CNPq.

O problema teve início ainda na discussão do orçamento de 2019, feita no ano passado, quando o recurso destinado ao CNPq ficou aproximadamente R$ 330 milhões abaixo do mínimo necessário para manter o trabalho normal do órgão. No entanto, o atual governo, apesar de ter sido alertado e se comprometido, em junho, em destinar parte do crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões aprovado pelo Congresso para o Executivo para o financiamento das bolsas, ainda não conseguiu honrar o acordo.

A comunidade científica vem se articulando para pressionar o governo e conseguir os recursos necessários. A Bancada do PCdoB esteve junto na mobilização. Para o líder da bancada, deputado Daniel Almeida (BA), “o Brasil está sendo humilhado dia após dia por Bolsonaro e seu governo, que atua abertamente sabotando a educação e a ciência”.

Os parlamentares estiveram junto com os cientistas numa reunião com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado com quase 1 milhão de assinaturas, pedindo que o orçamento deste ano seja recomposto, se garantam recursos suficientes no orçamento de 2020 e que não se permita a extinção do CNPq.

“O CNPq é uma instituição fundamental para que o Brasil alcance um ciclo de desenvolvimento econômico, social e tecnológico soberano. Destruí-lo é acabar com o futuro e a perspectiva da nossa ciência. Não podemos permitir que isso aconteça”, afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Rodrigo Maia reproduziu comunicado do governo de que garantiria um PLN destinando os R$ 330 milhões necessários para a finalização do ano, garantindo o pagamento das bolsas ativas. A expectativa é que o novo texto chegue ao Congresso nas próximas semanas. Maia se propôs ainda a articular soluções mais duradouras para a área.

“Estou preocupado que a gente construa soluções para o futuro. A gente tem que se preparar para participar dessa revolução tecnológica. Vamos trabalhar para construir uma solução emergencial”, disse.

Vice-presidente da Comissão de Educação, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), comemorou o resultado da articulação. “Considero uma grande vitória, construída a muitas mãos, e que afirma a força da luta e a virtude da unidade. Foi um compromisso verbalizado pelo governo ao deputado Rodrigo Maia e nós vamos aguardar em alerta, o cumprimento da palavra empenhada”, disse Alice Portugal.  

Os recursos do órgão, de acordo com o presidente do CNPq, João Azevedo, para pagamento das bolsas acabam este mês – o que intensificou a luta da comunidade científica.

Em audiência pública na Câmara nesta quarta, os cientistas enfatizaram a importância da dotação de recursos para o setor como ferramenta para combater a crise econômica e acelerar o desenvolvimento do país.
Representante da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich lembrou que os investimentos vão além das bolsas e que a falta deles compromete o futuro brasileiro.

“Política econômica deve envolver visão de futuro, pensamento, sonhos. Quais são nossos sonhos para o futuro? Nossos sonhos para um país que não dependa só de commodities. Tudo bem exportar alimentos, mas vamos agregar valores à nossa pauta de exportações, vamos fazer remédios mais baratos para a nossa população. É lamentável que esses sonhos não estejam sendo incorporados, digeridos pelo Ministério da Economia. Todos os países sabem que para sair da recessão você investe em ciência e tecnologia e inovação. Essa é a ‘fórmula mágica’”, pontuou.

Atualmente, são 27 modalidades de incentivos à pesquisa pagas pelo CNPq, como as bolsas de iniciação científica, que pagam R$ 400 a alunos de graduação, e as de doutorado, no valor de R$ 500 a R$ 2 mil.

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flavia Calé, reforçou o argumento de que o investimento na pesquisa é capaz de superar a crise econômica vivida pelo Brasil.

“No caso da Embrapa, por exemplo, a cada R$ 1 que se investe lá, a gente retorna R$ 11 desse investimento. Então, o investimento em pesquisa é realmente capaz de fazer o Brasil superar a crise econômica que a gente vive. Esses bolsistas estão produzindo um trabalho fundamental para o desenvolvimento nacional. Mas a formação desses recursos humanos de alta formação técnica leva tempo. Quantos cérebros e talentos a gente está perdendo? A gente precisa de escala na ciência para a gente chegar a ser um país desenvolvido, revertendo isso em dignidade para o povo. R$ 330 milhões é emergencial, não leva em conta os cortes que o CNPq já fez”, alertou.

Mais recursos

Durante a audiência pública, o atual secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Júlio Semeghini declarou que o governo está trabalhando para conseguir mais recursos para não interromper o pagamento das bolsas de pesquisa.

Cortes proibidos

Na luta pela ciência brasileira, o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) também tem se mobilizado para reverter o quadro de “terra arrasada” em que a ciência foi relegada neste atual governo. O parlamentar apresentou o Projeto de Lei (PL) 2926/19, que proíbe o cancelamento e a suspensão de bolsas em andamento no país.

“Queremos dar segurança e garantias aos pesquisadores e à continuidade das pesquisas até o período previsto para o seu término, impedindo que ações nefastas de governos que desejam ferir de morte o ensino superior, a pós-graduação e a ciência nacional, afetem a retomada do desenvolvimento e o futuro da ciência brasileira”, explica o parlamentar.

O texto ainda aguarda deliberação na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.

Nas ruas

Para reforçar a luta, no dia 7 de setembro, entidades estudantis estão articulando uma nova paralisação em defesa da educação. A luta contra os cortes do CNPq também fará parte da pauta dos manifestantes.

“Há muitos meses, os estudantes têm ido para ruas para denunciar a situação das universidades brasileiras. Esse governo tem atacado as universidades de forma absurda. Então, vamos às ruas para novas manifestações”, conclamou o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão.